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Poucas sensações são tão boas quanto a de terminar um filme pela primeira vez e ter convicção de que acabou de assistir a algo que será importante na sua vida. “Beautiful Girls”, uma espécie de irmão distante de “Diner” (1982), despertou isso em mim. O roteiro preza pela autenticidade absoluta, estabelecendo um novo recorde de diálogos que parecem ter sido transpostos da realidade para a grande tela. Os personagens riem, conversam, discutem e se acolhem como amigos, não como engrenagens narrativas. Quando uma garota deslumbrante aparece no bar, eu reagi da mesma forma que eles. Dessa forma, torna-se impossível não se sentir parte daquele grupo.

Willie está de volta à sua cidade natal para um encontro do colegial. Atualmente, nova-iorquino, ele ganha alguns trocados tocando piano em restaurantes, pensa em conseguir um trabalho enfadonho e mora junto com sua namorada há 6 meses. A pressão social bate à sua porta logo no início, quando é bombardeado de perguntas. Demoramos a ver Tracy, todavia, a impressão é de que ela está decidida a dar o próximo passo, enquanto o protagonista, preso a idealizações românticas, se mantém indeciso e cético em relação a ideia de adentrar “um buraco escuro” (sua descrição para o matrimônio). A paixão latente não está mais lá; pelo menos não como no início e é normal que isso gere dúvidas. A “fase morna” faz parte da trajetória humana; atravessá-la é um sinal de grandeza e maturidade.

Willie fica encantado por Marty (em seu terceiro projeto, Natalie Portman está fantástica), sua vizinha de 13 anos, o que poderia soar bizarro caso o roteiro não fosse hábil e perspicaz. Ela escancara sua vulnerabilidade, é perceptiva e faz com que ele se sinta cool. O protagonista a observa conversando com um colega da escola. “Eu realmente fiquei com ciúmes do garoto da bicicleta”.

-Mas, se seus sentimentos forem verdadeiros, você vai esperar.

-Em 5 anos, você sequer vai se lembrar de mim.

Não é o tipo de diálogo comum entre um adulto e uma pré-adolescente; no entanto, o laço é fraternal e delicadamente explorado. As palavras, além de bonitas e bem intencionadas, revelam muito sobre ambos os personagens. Olhar para trás e considerar a espera é um sintoma do medo de assumir responsabilidades e aceitar que o tempo passa. Por outro lado, Willie acaba sendo um mentor para Marty, que, por mais esperta que seja, não faz ideia da magnitude das transformações que sofrerá ao longo do anos.

Tommy é o galã do grupo, o que, na época do colégio, lhe garantiu passes livres e encontros interessantes. Aquilo se foi e trazer a velha postura à tona é, no mínimo, constrangedor. Ele namora Sharon, mas transa com Darian, uma mulher fria, insensível e casada. Ela combina os encontros diante da filha e Tommy, aos poucos, percebe quão sujo e babaca é. Os populares do passado são os solitários do futuro. Está na hora de valorizar os pequenos gestos de carinho e a persistência para que as coisas deem certo, não os simples prazeres carnais. Algumas pancadas precisam ser físicas para cair na realidade…

Paul se expressa mal e é obsessivo a ponto de irritar e de proporcionar risadas. “Elas são todas irmãs. Há uma grande conspiração”, diz ele, numa das argumentações mais baixas sobre mulheres. Jan o largou e, em vez de olhar para si e notar o comportamento absurdo, prefere amontoar sua garagem de neve e fazer joguinhos de ciúmes. A enorme coleção de pôsteres de modelos é um reflexo de sua insegurança e imaturidade. Paul não é capaz de compreender o outro lado; não entende o conceito básico de “relacionamento”, não à toa, repentinamente, pede a mão de Jan em casamento, num ato impulsivo.

Mo é o único casado e tem dois filhos. Por estes fatores, é quem parece estar mais em paz consigo. “Todos queremos algo bonito”, afirma ele para Willie, num tom de “homem estabelecido”.

-Que diabos você sabe sobre material de escritório?

-O que você sabe sobre crianças? Você está criando duas muito bem.

Se, individualmente, ainda falham, juntos, os cinco (Kev é o membro menos importante) inspiram apenas bons sentimentos e confiança. Eles têm um ao outro e a distância não diminui o afeto nem a intimidade. Os diálogos são tão genuínos e despreocupados, que eu poderia ficar mais umas duas horas curtindo com o grupo. Como a canção “Sweet Caroline”, entoada numa das melhores sequências, diz: “Good times never seemed so good”. A cidade pacata, cercada por neve, o silêncio, a falta de oportunidades, o emprego de “limpadores de neve” e o fim da juventude poderiam ser motivos para melancolia, mas não. Tais elementos ratificam a amizade que une seres simpáticos e desajeitados. A seleção musical também é essencial para a fomentação de uma atmosfera descontraída e prazerosa.

Apesar do enfoque masculino, as personagens femininas não são descartadas, mostrando-se, em suma, mais racionais. Em determinado momento, Gina é incisiva ao falar sobre as moças das revistas para Tommy e Willie. “Não são mulheres de verdade, são aberrações da beleza”. Um comentário que vai ao encontro das idealizações e da dificuldade de encarar a realidade. Andera, interpretada por Uma Thurman, transita com naturalidade entre os dois pólos.

Matt Dillon, Michael Rapaport e Noah Emmerich estão impecáveis. Dito isso, o principal destaque é Timothy Hutton, que esbanja carisma e vulnerabilidade sem esforço. Sua presença em tela sempre causa uma boa impressão e, aqui, ele está especialmente cativante. Em uma cena tensa, Hutton toma uma atitude espontânea e inesperada. É o tipo de risada que não estava na conta inicial e esse é o tipo de filme que vale a pena ser revisitado diversas vezes.

“Beautiful Girls” é uma obra prima!

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