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“Avalon” é o tipo de filme que começa e termina com situações similares, mas em tons completamente diferentes. Semi autobiográfica, a obra tem como foco uma família de imigrantes judeus que se firmou nos Estados Unidos. A narrativa episódica faz com que o espectador aprecie valores que, muitas vezes, passam despercebidos e compreenda a diferença essencial entre os personagens.

No dia de ação de graças, Sam Krichinsky fala sobre sua chegada em Baltimore e a trajetória de seus irmãos em busca do sonho americano. Todos ali já escutaram essa história, no entanto, Sam não cansa de contá-la. Seus olhos ainda brilham quando ele relembra dos fogos de artifício, das luzes, das pessoas celebrando nas ruas e do mar de oportunidades que lhe aguardava. Em meio a tanto afeto, a mesa comprida parece pequena. O sofá verde e a poltrona vermelha apenas ratificam a meticulosa harmonia que rege a vida dos Krichinsky. 

Sam e seus quatro irmãos se estabeleceram colocando papéis de parede; em contrapartida, seu filho, Jules, que também trabalha numa loja de departamentos, é um vendedor. Ele e Izzy, seu primo, decidem abrir o próprio negócio, tendo como atrativos as recém-chegadas televisões e os preços mais baratos da cidade. 

Barry Levinson organiza núcleos e comenta sobre o ciclo da vida. As crianças e os idosos falam uma língua similar, enquanto os adultos se enchem de preocupações e sonhos financeiros. O melhor amigo do protagonista é Michael, seu neto. Sam chegou a uma idade em que tudo é visto com mais serenidade, sem maiores estresses. Observar aquilo que construiu e relembrar as memórias do passado são as suas maiores alegrias. Michael é doce e puro, ainda não pensa em ganhar dinheiro, gosta da casa cheia e de ouvir histórias. A falta e o excesso de experiência resultam em interações orgânicas e belíssimas. 

Michael tem dificuldade em entender a diferença entre “can” e “may”, então seu avô é chamado na escola. Em vez de concordar com o coordenador, ele fica tão confuso quanto o garoto. “Inglês é muito difícil”.

Sam e Eva vivem com o filho, sua esposa e o neto. À essa altura, tudo que o casal de idosos não quer é ser esquecido e Michael faz questão de enfatizar a importância dos avós na casa. Jules vive o sonho americano, não para alimentar o próprio ego, mas para dar algum tipo de conforto à sua família. Sam já passou por essa fase, não julga o filho, que, em nenhum momento, se mostra uma figura gananciosa. Ele não questiona o fato dos pais morarem na sua casa, todavia, Ann se sente constantemente julgada e vigiada, o que também é compreensível, afinal, a união dos Krichinsky pode ser um tanto sufocante. Que família tem um presidente do conselho familiar? Sim, eles se reúnem e decidem custos, festas e outras situações. Uma das tradições no dia de ação de graças é o atraso de Gabriel, que sabe que a comida só será servida após sua chegada. Quando o protagonista permite que Jules corte o peru antes, Gabriel se vê traído e apunhalado pelas costas. “Era melhor ter me esfaqueado no coração”. 

Não se trata apenas de uma tradição, mas de uma das últimas coisas com a qual Gabriel se importava. Não há grande excitação em sua vida, a não ser por aquele almoço e isso é quebrado. Claro, seu drama é excessivo, o que quero dizer é que, com a idade, pequenas demonstrações de preocupação ganham um valor maior. 

Sam não guarda rancor pelo passado, mas não esconde a tristeza ao lembrar que Jules e Izzy mudaram de sobrenome, pensando no mercado. Por outro lado, logo depois fala sobre o casamento do filho em sua casa noturna – um dos dias mais felizes de sua vida. 

Levinson foge de um retrato unidimensional e, ao optar por uma narrativa episódica, ganha liberdade para destacar situações específicas. O reflexo no vidro do carro, refletido no rosto de Michael, do pai sendo assaltado e agredido é algo que ele nunca esquecerá. Em outro momento, o cineasta intercala um diálogo intenso entre Ann e Eva, a presença de abelhas escondidas atrás da escada e as crianças brincando ao ar livre. A iminência do caos está no uso da montagem paralela e a aflição é enorme. 

Quando ocorre um incêndio na loja, Levinson concebe um plano simbolicamente espetacular. Jules observa o fogo que destrói seu sonho e, ao fundo, os fogos de artifício estouram. O fim, o início e o homem no mesmo quadro. 

Michael tem certeza que é o responsável pela tragédia e vai atrás de seu maior confidente, o avô, que sabe que contar a verdade é a melhor saída possível. Em outro plano fantástico, o garoto fica entre os dois – a segurança do grande companheiro e o medo da bronca. Tais adversidades aproximam os Krichinsky. 

O afeto não é traduzido somente através de gestos e palavras, o trabalho de direção de arte não nos faz duvidar do carinho ali envolvido. O vermelho está presente nas roupas, nas casas e na mesa de jantar, chegando até a ser destacado pela fotografia na casa noturna de Sam.

A autenticidade é um fator fundamental para o êxito da obra, que se passa entre as décadas de quarenta e cinquenta. Os figurinos, as residências, os bailes e as músicas elevam a nostalgia transmitida por Sam. A trilha sonora de Randy Newman é sensível e evocativa.

O cinema também é homenageado. Em uma linda sequência, Michael assiste a um filme ao lado de uma multidão que vibra com a ação. Existe uma magia naquela sala – pelo menos, existia.

O tempo passa, as pessoas se vão, algumas ficam para trás e a cidade muda. Depois de tudo que testemunhamos, é triste ver um jantar de ação de graças na sala de TV, na escuridão. Sam, que viveu para contar suas histórias, não poderia ter um final mais triste. Há uma elipse especialmente melancólica. O tom acinzentado marca o fim de uma geração e de um sujeito que não se lembrava mais do quão bela Baltimore estava no dia de sua chegada. O reencontro é tocante, fecha o filme perfeitamente. 

“Se soubesse que as coisas acabavam, teria tentado me lembrar melhor”.

Armin Mueller-Stahl e Elijah Wood – que viria a se transformar num hobbit onze anos depois – oferecem performances encantadoras e encapsulam magistralmente as fases em que se encontram. São óticas diferentes que enxergam a beleza do cotidiano. 

Aidan Quinn incorpora a complexidade adulta com propriedade. Jules é maduro, porém inseguro; é o responsável por sustentar os demais, mas nem sempre sabe o que fazer. 

“Avalon” é uma exaltação às memórias e à família. Uma obra prima raramente mencionada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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