“Todo homem é uma ilha”, diz o protagonista de “About A Boy”, referindo-se ao seu estado de solitude, no qual ele basicamente passa os dias assistindo TV, ajeitando o cabelo, comprando roupas e discos e ganhando dinheiro com os royalties de uma antiga música natalina que seu pai compôs. Will não tem emprego, família ou namorada.
Seus únicos amigos o convidam para ser o padrinho de sua filha e ele simplesmente recusa, admitindo a sua imensa superficialidade e incapacidade de assumir compromissos.
Seu grande alvo são mães solteiras, pois não precisa precisa dispensá-las, já que elas dão conta dessa parte, tirando o peso de suas costas, que apenas se diverte às custas da miséria alheia.
Em uma reunião, o protagonista conhece Suzie, que, indiretamente, o leva até Marcus, um jovem que sofre bullying e que precisa cuidar de Fiona, sua depressiva mãe. O que começa como uma mera formalidade, na qual Will finge que suporta o garoto, se transforma numa sincera e inesperada amizade.
O grande mérito do roteiro de “About A Boy”, é tornar a relação entre os dois genuinamente essencial para os seus arcos, sem que soe forçada ou artificial.
O protagonista realmente acredita nos conceitos de ilha e unidade, denotando não uma autossuficiência, mas um total desconhecimento sobre relações humanas, nossas necessidades mais primitivas e importantes. Will não é emburrado, insensível e vazio por acaso, seu conturbado relacionamento com o pai e a facilidade com que construiu um cotidiano estável o colocaram numa terrível zona de conforto, na qual ele acreditou ferrenhamente ser possível sobreviver.
Will nunca se apaixonou, faz sexo com regularidade, mas nunca se envolveu profundamente com ninguém. O protagonista não tem nada a dizer, pois nunca saiu de sua ilha e, ainda que tivesse algo que o afligisse, não teria para quem ligar.
Marcus representa o lado oposto, desconhecido pelo nosso “herói”. O garoto é um observador nato, é atencioso e carinhoso com sua mãe, no entanto, não sabe o que fazer para tirá-la do buraco. O Will “gente boa” engana Marcus, que enxerga nele um excelente pretendente para a mãe.
Obviamente, as coisas não caminham nessa direção, contudo, o garoto passa a visitar diariamente o protagonista e, ao descobrir uma certa mentira, a usa a seu favor. Marcus é um jovem solitário, ingênuo e doce, que tem muito a dizer, mas que ainda não encontrou a companhia ideal.
Ele trata o bullying que sofre como algo natural e deseja apenas que sua mãe não tente cometer suicídio novamente.
Essas duas criaturas dividem o mesmo sofá e, gradativamente, se mostram essenciais para o amadurecimento do outro.
Apesar de sua falta de traquejo com crianças, Will sabe muito bem como as escolas funcionam e lhe dá um conselho que conversa diretamente com sua personalidade: “seja invisível”. Por medo ou por desconhecimento, o protagonista se escondeu do mundo por muito tempo e estava prestes a se desgarrar de certas convicções.
Will compra um tênis para Marcus, tenta mudar sua aparência e, pela primeira vez, se sente feliz ao fazer uma boa ação sem pedir nada em troca. Fiona, neurótica e melancólica, certamente não compreendia a essência do meio escolar e Will, com todo o seu ceticismo e sarcasmo, podia ajudar Marcus. Não à toa, o momento em que ele conhece uma garota e vira seu amigo, se dá justamente pelo disco que o protagonista o havia dado de presente.
Ainda que a trama envolvendo o garoto, sua luta por espaço e paz sejam interessantes, o filme é sobre Will, um homem de quase quarenta anos que olha para o espelho, vê os anos passando e percebe que nunca realizou nada significativo. Apaixonado, Marcus diz para o protagonista que não pensa em tocar nela, que o simples fato de estar ao seu lado e conversar com ela o satisfaz.
Há três momentos-chave no arco de Will. O primeira se dá na residência de Marcus e Fiona, onde ele passa o natal – pela primeira vez com outras pessoas e sem estar completamente bêbado – e admite estar um pouco emocionado.
O segundo é quando Will se apaixona por Rachel e simplesmente não sabe o que dizer. No primeiro encontro, o protagonista admite estar com a boca seca e com as mãos suadas, experimentando um sentimento novo e poderoso. A forma que ele assume para o amigo o que está sentindo é bonita, seu nervosismo é notável, até então, o amor era uma grande besteira.
O terceiro é justamente o clímax, em que Will, completamente perdido e triste, procura Fiona para expor o quão importante o filho dela é para ele. Não direi exatamente o que acontece, apenas que Marcus, novamente, mostra a ele que certas atitudes são mais importantes que medos e receios que guardamos em nosso peito.
A direção de arte faz do apartamento de Will um ambiente luxuoso, porém sem vida. O trabalho é tão competente, que conseguimos perceber exatamente que tipo de pessoa o protagonista é, vazio e desinteressante. O espaço é grandioso, alguns objetos valiosos chamam atenção, entretanto, as paredes são cinza e os tons azulados acentuam sua solidão. A casa de Marcus, em contrapartida, apesar de conversar com a depressão de Fiona – seu casaco roxo é um belo detalhe sobre a sua condição -, é muito mais simples e a mesa em que almoçam no Natal sintetiza brilhantemente tudo que Will evitava – apertada, acolhedora e calorosa.
A fotografia segue um padrão similar de cores – paletas acinzentadas tomam, majoritariamente, conta da tela -, a não ser no encontro de Rachel com o protagonista, em que uma forte luz invade o rosto dela, salientando a genuinidade do sentimento de Will.
A montagem é responsável por um impecável timing cômico e por criar um vínculo profundo, desde o início – antes mesmo de se conhecerem – entre Marcus e Will. Os cortes secos unem os dois; depois, os travellings circulares cumprem a mesma função, dando a ideia de passagem de tempo e vazio. Nesse sentido, o time lapse também é precisamente utilizado.
Os irmãos Weitz, cuja filmografia beira o intragável, apresentam um admirável controle do tom da obra, flutuando perfeitamente entre o humor e o drama. Além disso, os dois merecem elogios por, invariavelmente, enquadrarem Will sozinho. Existe uma fluidez nos movimentos de câmera, que conferem agilidade à narrativa emulam o comportamento “cool” do protagonista. O plongée é a grande marca dos Weitz e, em determinadas cenas, eles até criam um movimento circular – destacaria a sequência na qual Will conversa com Rachel pela primeira vez e o ângulo é fundamental para dar uma conotação especial ao momento.
Claro, não poderia deixar de mencionar o uso constante da narração, artifício essencial para o sucesso do filme.
Nicholas Hoult convence como um garoto esperto e delicado, o que é raro se tratando de um ator juvenil. Muito do que ele diz poderia soar forçado ou absurdo, mas não, Hoult é uma figura cativante e genuína, que encanta o espectador.
Hugh Grant oferece a performance de sua carreira, desenvolvendo brilhantemente a pose irônica, debochada e insensível do homem que quer ser uma ilha e a desmanchando lentamente, com trejeitos que provam a sua “humanidade” e carinho pelas pessoas que cruzam o seu novo caminho. Grant transita entre o arco com o charme e o carisma que lhe são peculiares e compõe um personagem crível e interessantíssimo.
“About A Boy” é uma obra prima doce e humana que, mesmo tendo sido elogiada na época de seu lançamento, não tem o devido reconhecimento.
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