A Promessa

Categorizado como um suspense, “The Pledge” não é o tipo de filme que os “desavisados” estão acostumados a assistir. Não há apelações, nem perseguições e a “grande revelação” é tão sutil, que talvez muitos nem perceba.

Jerry Black está prestes a se aposentar. Ele é um policial respeitado e seus colegas preparam uma enorme festa de despedida. O protagonista se senta em sua cadeira, olha para o relógio e quase chora, sabe que ser um policial é mais do que um emprego, é o que faz sua vida ter sentido.

Durante a festa, chega a notícia do brutal assassinato de uma menina de oito anos. Jerry está acostumado a dar notícias desse tipo para famílias, o que sempre lhe impactou. A mãe da vítima faz o protagonista prometer que irá encontrar o culpado. Diferentemente da maioria, Jerry leva promessas bastante a sério e não fica satisfeito quando Stan, seu natural sucessor, incrimina um índio com passagens pela prisão, que se suicida na primeira oportunidade que tem.

Spoiler Alert!

O departamento considera o caso fechado, porém, Jerry tem absoluta convicção de que o verdadeiro assassino ainda está à solta. Ele vai atrás de parentes da vítima, descobre familiares que perderam suas filhas em situações muito semelhantes e começa a montar um quebra cabeça. A principal pista, a que realmente gruda em sua mente, é um desenho da garota assassinada, no qual ela recebe presentes de um gigante que dirige um furgão preto.

Ninguém o leva a sério, o que o deixa sem saída, afinal, seria impossível desvendar um caso tão complexo assim sozinho.

A vida de aposentado é simples e solitária. Pescar é o seu maior hobby, mas não é o suficiente para a sua sobrevivência, o que o leva a comprar um posto de gasolina. A promessa ainda o atordoa, ele passa a ter alucinações e a fumar como uma chaminé.

A verdade é que não sabemos se Jerry realmente acredita no desenho ou se quer muito acreditar. De certa forma, aquele pedaço de papel era a única coisa que mantinha o seu estilo de vida íntegro.

Em um bar, o protagonista conhece Lori, mãe solteira que é constantemente abusada por seu ex-marido. De repente, as coisas se ajeitam e a necessidade de correr atrás de pistas e criminosos deixa de ser prioritária. Jerry agora tinha uma filha e uma companheira. Ele cuida de Lori e conta histórias para Chrissy na hora de dormir. O homem paranoico e vazio se torna, gradativamente, revigorado e preenchido.

Isso até Chrissy começar a ser abordada por sujeitos esquisitos que cabem perfeitamente na descrição do tal desenho. As alucinações e o constante estado de alerta retornam, levando Jerry a jogar fora toda a harmonia e a felicidade que havia conquistado, mesmo que, ironicamente, ele estivesse correto (algo que só o espectador sabe).

No fim, esse não é um filme sobre estar certo ou errado, é sobre estar tão preso a uma realidade, que é praticamente impossível se entregar a uma nova. A aposentadoria para Jerry é a amputação dos braços para um nadador, em algum momento, os dois irão afundar. Os resquícios do ofício eram maldições que o protagonista dificilmente conseguiria se desvencilhar. Praticamente todos os seus pressentimentos estavam corretos e provam que ele era de fato um excelente policial, no entanto, foram esses mesmos instintos que o levaram a utilizar a própria enteada como isca, o afastaram de vez de Lori e o prenderam a uma tormenta eterna.

Jerry é um personagem tão complexo que, ao final do filme, temos dúvidas significativas sobre boa parte de suas ações. Seria o posto de gasolina uma desculpa para investigar os carros que por ali passavam?

Será que seu interesse por Lori era apenas uma fachada para usar Chrissy?

Por trás de um rosto comum, atitudes e pretensões bondosas existem muitas perguntas.

O trabalho de Jack Nicholson é absolutamente fenomenal. O ator demonstra a partir de suspiros e expressões delicadas a sua infelicidade perante a nova vida. Da mesma forma, Nicholson nos espanta com olhares paranoicos que reforçam o seu profundo envolvimento com o passado. Ele ainda é capaz de encantar o espectador com seu jeito acolhedor e carinhoso – algo raro em sua carreira. Há muita coisa passando pela cabeça de Jerry Black e Nicholson circula entre os extremos com maestria, compondo um personagem incrivelmente instigante.

Esse foi o primeiro filme dirigido por Sean Penn que assisti. Conheço e admiro o seu talento como ator, mas não poderia imaginar que Penn também era extremamente habilidoso atrás das câmeras. Ele usa planos fechadíssimos e movimenta a câmera na mão. Penn cria uma atmosfera inquietante, caótica e violenta sem muito esforço. E sabe quando precisa dar um passo para trás e deixar o show para os atores. Penn parece um veterano, mal posso esperar para assistir o resto de sua filmografia como diretor.

A fotografia é mergulhada em tons cinzentos, que reforçam a melancolia da obra e combinam com a região montanhosa em que o filme se passa.

A trilha sonora aparece em momentos oportunos a fim de potencializar a tensão e a paranoia do protagonista.

A montagem é espetacular. Além de dinâmica, ela é sugestiva ao extremo, eleva o suspense e desvenda certos mistérios.

O elenco de apoio é maravilhoso. Temos Mickey Rourke em uma ponta memorável, Aaron Eckhart como um policial excessivamente seguro de si e Robin Wright, que faz de Lori uma mulher, simultaneamente, forte e frágil.

“The Pledge” é uma obra que merece ser redescoberta.