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Segundo Fritz Lang, Joseph Goebbels o convidou para ser o supervisor da produção cinematográfica do regime nazista. Lang, judeu, fugiu para Hollywood, onde estabeleceu uma carreira de extremo prestígio. Seu primeiro filme em terras americanas, “Fury”, 1936, ressalta o caráter provocador e audacioso do diretor. 

No início, somos apresentados ao amor em seu estado mais puro. O casal está prestes a se casar; todavia, devido a questões financeiras, Katherine aceita um emprego fora da cidade. Joe é um homem cuja bondade pode ser avistada a quilômetros de distância. Seus irmãos optaram pelo caminho fácil; ele trilha o trajeto da dignidade. O casal fala numa vida simples e a opção de Lang por apresentar as cartas trocadas por eles ressalta o fato de, mesmo distantes, continuarem próximos. Eis que, no caminho para visitá-la, Joe é interceptado pela polícia, confundido com um sequestrador de mulheres. O xerife faz o seu trabalho, investigando minuciosamente para chegar a um veredito; no entanto, a sociedade, com sua boca nervosa, decide realizar uma caça às bruxas, condenando previamente o protagonista. 

O nervosismo toma conta dos juízes de seus próprios tribunais, acarretando uma das cenas mais sombrias e violentas da década de 30. O povo toma conta da delegacia, agredindo os oficiais e ferindo a lei. Lang traz tendências expressionistas à Hollywood, utilizando ângulos holandeses e sombras para deformar o rosto dos “monstros” e um close up para ressaltar o estado de Katherine ao se deparar com tamanha selvageria contra seu marido. “Quanto antes o levarem a julgamento, melhor”, diz um dos personagens, reforçando a ideia de que as pessoas, saciadas pelo sangue derramado e por demonstrações de força, pouco se importa com a justiça. Ao circular com a câmera por um bar, Lang nos apresenta a humanidade em sua faceta mais animalesca. 

Joe é dado como morto, mas retorna, com expressão e voz cavernosas. O povo assassinou sua bondade, transformando-o num fantasma que clama por vingança. Essa é a história de um homem gentil corrompido pela violência. Lang chegou em Hollywood com a desesperança de um artista que não crê no conceito de civilidade. No tribunal, as testemunhas nem se prestam a disfarçar as mentiras, acobertando a covardia geral. Assim como Joe, somos tomados por um sentimento incontrolável de ódio; porém, eventualmente, ficamos cansados. Não do filme, pelo contrário, mas do prazer pela vingança. Antes que perceba, Joe desistiu de viver, dedicando seus passos a matar aqueles que o mataram. Seu arco é sobre reaprender a amar a si. Somente depois disso, ele poderá abraçar Katherine e retornar a ser o que era. O roteiro é honesto em relação ao perdão; o povo pode até não ter assassinado Joe, mas, numa atitude bárbara e covarde, tentou. Homens não são santos; o perdão é algo que vem com respeito e admiração. O protagonista acerta os ponteiros de seu relógio, mas a descrença na humanidade é imutável. A montagem abusa de fusões elegantes e acerta ao trabalhar a psique de Joe a partir da sobreposição de imagens – ele sente o peso de mandar 22 pessoas para o corredor da morte. Lang introduz símbolos à narrativa, sendo, a costura azul do casaco de Joe e a grafia equivocada de uma palavra, fundamentais para que Katherine descubra que seu marido não morreu. 

Spencer Tracy domina a tela como poucos. Seu arco permite uma transformação extrema e ele a concebe com a maestria que lhe é peculiar. Sylvia Sidney também está excelente. Seu olhar atônito é de uma expressividade comovente. “Fury” é uma obra prima.

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