Ao longo da década de 70, Elaine May realizou três pérolas da Nova Hollywood: “A New Leaf”, “Mikey and Nicky” e “The Heartbreak Kid”, a mais valiosa delas. Em 1987, ela retornou à direção com “Ishtar”, que, injustamente, decretou o fim de sua carreira.
Esse esquecimento é uma grande pena; afinal, estamos falando de uma cineasta que ajudou a moldar tendências de um dos movimentos mais importantes da história do cinema. May tinha um talento notável para dissecar o comportamento e as inseguranças masculinas. Seus personagens, assim como os da Nouvelle Vague, parecem estar andando em círculos, presos aos seus próprios rabos.
May abre a narrativa com um imediatismo que vai ao encontro da ânsia do protagonista por seguir normas sociais. Quando Lila e Lenny se casam, nós não os conhecemos, assim como eles mesmos também não se conhecem. O matrimônio, neste contexto, é uma resposta à sociedade. A lua de mel é o primeiro momento de real intimidade entre o casal e, sem tardar, percebemos que não há conexão alguma ali. Pelo contrário, Lenny fica impressionado com os traços de chatice da esposa, que planeja os próximos 50 anos sem ter vivido os primeiros dias de casamento. Com Lila, até o sexo é enfadonho, assemelhando-se a um intenso quiz sobre performance e prazer. Em um restaurante, a caminho de Miami Beach, Lila suja o rosto de ovo e fala de boca cheia, deixando o protagonista com um olhar atônito, de quem não acredita na grande enrascada em que se meteu.
Em Miami Beach, num resort que cheira a recém casados, Lenny conhece Kelly, que surge como um anjo que caiu do céu, com o sol refletindo em seu rosto. May empresta a perspectiva do protagonista ao espectador, que não demora a entender o efeito que ela tem sobre ele. Lenny aproveita as queimaduras de Lila, decorrentes de uma sub-valorização da potência dos raios solares, para sair com sua nova amada. “The Heartbreak Kid” não é uma das grandes comédias da década de 70 por empilhar piadas, mas por captar as nuances de uma situação extremamente desconfortável. May opta por uma abordagem crua e direta, dando destaque maior ao texto. As sequências em que Lenny inventa desculpas para Lila são de um raro brilho cômico.
Filha de pais milionários, Kelly gosta de jogar jogos de provocação e sedução, tendo pouca noção de limites. Lenny, obstinado, decide que cinco dias foram suficientes para perceber que Lila foi um equívoco e que ainda há tempo para ser feliz. A questão não é nada simples, pois, além de emocionalmente delicada, depende da aceitação de Duane, pai de Kelly, que é sincero ao expor seu ódio pelo protagonista. Outro exemplo da autenticidade captada por May está na cena em que Lenny termina com Lila. O desconforto, potencializado pelas voltas dadas por ele, confunde-se com a melancolia dela, que, naquele instante, ganha a compaixão do espectador. O roteiro critica a busca por prazeres imediatos, ressaltando, no fim, que estes mantêm homens em estado de imaturidade. Guiado exclusivamente pelo desejo, Lenny age como se seu corpo estivesse coçando de tanta excitação. Ele claramente não está pronto para assumir esse tipo de compromisso; não está disposto a respeitar a pacatez cotidiana e a falta de estímulos constantes. Lenny não está apaixonado, apenas obcecado pela ideia de conquistar um artigo de luxo, o anjo que idealizou. Estamos falando de um sujeito capaz de largar tudo em Nova Iorque e de se mudar para a gelada Minneapolis sem garantia de sucesso em sua empreitada “romântica”. Não podemos negar que sua retórica calculada e ensaiada é convincente, digna de um canastrão que não abre concessões.
Esses personagens são, em suma, imbecis? Sem dúvida, mas imbecis humanos. Observamos aquilo que não devemos fazer e rimos, porque reconhecemos que o absurdo é possível. A única pessoa que Lenny não consegue enganar é Duane, que, como eu mencionei, o detesta. O protagonista chega sempre preparado para impressionar e, a cada tentativa, o pai de Kelly só se convence mais de sua picaretagem – o duelo de reações é impagável. O derradeiro confronto entre os dois se transforma numa negociação, o que é ressaltado pela foto de Kelly, situada no centro da mesa. O desfecho tem a cara da “Nova Hollywood”, remetendo a “The Graduate”, de Mike Nichols, lançado cinco anos antes. A sensação de conquista é engolida pelas implacáveis incertezas da vida – pela primeira vez, Lenny enxerga a situação com clareza e lucidez.
Charles Grodin está excelente no papel principal, combinando sua destreza cômica com a humanidade de um jovem agitado, em busca de satisfações irreais. Eddie Albert e Cybill Shepherd também merecem elogios.
“The Heartbreak Kid” é a comédia anti-romântica definitiva. Uma obra prima que faz jus ao período no qual foi produzida.
*Não confundam com o remake estrelado por Ben Stiller, lançado em 2007.