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Dirigido e escrito por Joan Micklin Silver, “Chilly Scenes Of Winter” narra a trajetória romântica de um sujeito fadado à solidão. A trilha sonora jazzística e a chuva estabelecem uma atmosfera melancólica, sustentada por um homem que abre o filme dizendo: “Eu não tenho Laura”. Funcionário do Estado, Charles vive preso a uma idealização que o impede de seguir adiante. Há quase um ano, ele se relacionou com Laura, que, em meio a crises no seu casamento, passou dois meses em sua casa.

Ao ancorar a narrativa sob o ponto de vista de Charles, Silver permite que o espectador o conheça e que entre em contato com suas obsessões. A quebra da quarta parede e o uso de voiceover tornam a experiência mais intimista. Sua mente opera em uma única direção, o que também valida a predileção por tais artifícios – o protagonista pensa tanto na amada, que precisa falar diretamente para a câmera.

Charles lembra dos bons momentos; da diversão, de como seu humor peculiar a fazia rir, da sobremesa de chocolate com laranja e da cadeira que comprou. Sua memória tende a evitar o cenário completo; todavia, por vezes, ele parece recordar do que afastou Laura. Charles gosta de conduzir interrogatórios. Uma consulta ginecológica tem o potencial de atormentá-lo. Na verdade, tudo é capaz de atormentá-lo e esse embate constante, eventualmente, cansa Laura. Seu universo é tão particular, que não sabemos quando ele está brincando e falando sério. Charles não ama Laura por suas qualidades e defeitos, mas por aquilo que idealiza nela. O protagonista a coloca num pedestal inalcançável, alheio às nuances humanas. Charles não consegue se interessar por outra mulher; afinal, as impressões digitais de Laura impregnaram seu altar da musa perfeita. 

Os saltos temporais, além de fluidos, provam que aquela relação, em esferas terrestres, não idealizadas, nunca funcionaria. O que nos redireciona à condição de Charles: não enxergamos luz no fim do túnel, pois ele faz questão de reforçar que o fundo do poço não é fundo o bastante. Laura voltou a morar com Jim, o marido, e Charles, meses após a experiência mal sucedida, ainda aguarda por um telefonema. Sam, o melhor amigo que vive em sua casa, questiona o porquê dele não ir até ela e se declarar. O protagonista prefere manter a dúvida intacta do que ser eletrocutado pela dura realidade. Constantemente, Charles vai até a residência de Laura e imagina como as coisas estão ali. Sua obsessão atinge traços psicóticos quando ele se dedica a uma maquete da residência, com direito a bonecos de Laura e Jim. 

Não é porque detectamos características danosas em Charles que precisamos taxá-lo de “vilão” ou detestá-lo. Pelo contrário, eu acredito que Silver tenha empatia por seus personagens, notando em seus defeitos um desejo cego de ser feliz. O gosto final não é de desprezo, mas de pena, o que destaca a complexidade de seu texto. “Não é que não dói mais, é que você se acostuma”. Laura, por sua vez, se inferioriza a ponto de aceitar Jim por ele nunca ter cometido um equívoco grave, mesmo não o amando. Ela é frágil e vive uma vida de baixas expectativas. “Eu não mereço ser feliz” é uma afirmação que denota um profundo estado de resignação perante às belezas mundanas.

Silver é irônica ao subverter a comédia romântica. Todos os elementos estão lá: o protagonista decidido e falho, o amigo engraçado, a família disfuncional, a mocinha indecisa e o oponente enfadonho. Silver dá uma ‘leve” ajustada nos clichês e nos arquétipos deste gênero batido, construindo uma obra amarga e realista. É fácil imaginar os mesmos personagens nas mãos de um diretor/roteirista convencional – e essa é uma das graças do filme.

John Heard é um ator subestimado e, aqui, ele demonstra todo o seu talento para interpretar personagens complexos e tragicômicos. Peter Riegert e Mary Beth Hurt também estão fantásticos. Coberto por paisagens gélidas, “Chilly Scenes Of Winter” é uma jóia que merece ser redescoberta.

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