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Susan passa por um período conturbado. Anne, sua melhor amiga e colega de apartamento, casou-se, deixando-a sozinha. “Girlfriends” reúne várias das principais qualidades do cinema da Nova Hollywood. O roteiro foca nas perguntas, não nas respostas, entendendo o conturbado processo de amadurecimento em meio à vida adulta. As interações iniciais são dignas de amigas íntimas; garotas que ainda vivem num estado juvenil, alheias aos percalços cotidianos.

Em busca de sentido, Susan se frustra, sendo obrigada, a todo instante, a ressignificar sua existência. Por que ela dorme com Eric? Como tudo em sua trajetória, trata-se de uma tentativa de encontrar um novo tipo de felicidade. A princípio, Ceil, uma caroneira nômade, parece uma boa opção para dividir o aluguel e dialogar. Depois, a protagonista clama pela necessidade de espaço. O embate entre solidão e solitude é constante, o que prova que, para alcançar alguma satisfação pessoal, é preciso entrar em contato consigo e sentir um aflitivo vazio. O roteiro, embora coloque Susan numa zona de desconforto, acredita que, para quem tenta, as coisas tendem a acontecer naturalmente. Não há catarse na alegria; a simplicidade impera num filme que soa tão corriqueiro quanto a realidade. As transições abruptas reforçam o caráter cotidiano da narrativa, indo da intimidade à banalidade num piscar de olhos. Essa imprevisibilidade é essencial para entendermos que nada é permanente e que, em pouco tempo, o caos pode se transformar em harmonia.

Os dias não são tão marcantes assim; todavia, quando paramos para analisar a costura inteira, nos deparamos com um retrato fidedigno de uma mulher entrando em contato com as incumbências de uma nova fase. Eric, antes insignificante, passa a interessá-la e a conexão entre os dois é notável. Por vezes, a impressão é de que Susan, ainda insegura, gosta de criar crises. Algumas ideias, como a de se mudar para o apartamento de Eric, a assustam, ressaltando o seu estado de pleno amadurecimento. Em contrapartida, Anne embarca na vida adulta sem maiores questionamentos. Seu casamento é introduzido através de Freeze Frames, o que salienta o imediatismo da personagem. Quando Susan a visita, Anne e Martin, seu marido, aparentam ter ensaiado um certo comportamento. Eles mostram fotos da lua de mel e enfatizam o fato do café ser marroquino. Aos poucos, fica nítido que a falta de espaço, fomentada pela própria Anne, é algo que a impede de progredir em outras áreas da vida, como, por exemplo, sua carreira de escritora – as tentativas nos moldam. 

A abordagem crua e direta de Claudia Weill é essencial à narrativa. A diretora “apenas” observa suas personagens e nunca as julga, deixando essa faculdade para o espectador, que, imerso ao naturalismo, se identifica com aquilo que vê. Os pequenos e bagunçados apartamentos e as filmagens nas ruas de Nova Iorque conferem uma autenticidade enorme ao projeto. A aparência da protagonista muda ligeiramente ao longo de seu arco, ganhando contornos mais adultos. Fotógrafa e financeiramente necessitada, Susan enfrenta as dificuldades do meio artístico, aceitando trabalhos pouco atraentes sem deixar de flertar com suas verdadeiras ambições. No auge de sua realização, Susan apresenta uma exposição que marca sua trajetória em diferentes aspectos. Todos aqueles que percorreram sua andança estão lá, o que evidencia o efeito positivo que ela causa nos outros. A rima estabelecida pelo roteiro entre o início e o desfecho é preciosa: Susan e Anne continuam sendo grandes amigas – algumas coisas mudaram e está tudo bem.

Eu não tenho dúvidas de que “Girlfriends” inspirou muita gente por aí. Vieram-me à cabeça, por exemplo, Noah Baumbach, Andrew Bujalski e Greta Gerwig. Melanie Mayron interpreta Susan com tanto carisma, vulnerabilidade e paixão, que é impossível não se afeiçoar pela protagonista. “Girlfriends” é um pequeno milagre autoral.

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