O consultório do ginecologista Dr. T é um verdadeiro pandemônio, rodeado por mulheres suscetíveis e nervosas. A câmera passeia por aquele espaço, introduzindo-nos a um universo intenso e feminino. Sullivan Travis (ou Dr. T) é um médico disputado, um homem que se gaba por entender as mulheres como ninguém. Ao lado dos amigos, ele vai ao campo para dar alguns tiros; enquanto isso, suas filhas, irmã e esposa fazem compras no shopping. Os estereótipos são conhecidos e reforçam o tom irônico idealizado por Altman. Os figurinos são suficientes para identificarmos o comportamento esnobe e pomposo das “garotas” do protagonista. Kate, sua esposa, tem uma crise, some e decide mergulhar nua na fonte do shopping. “Uma tentativa desesperada de reconquistar parte do mistério” é a descrição do que, possivelmente, está acontecendo com Kate, que é internada num hospital psiquiátrico. Em outras palavras, ela sempre foi tão mimada, que regrediu a um estado infantil para se sentir vulnerável. O plano-detalhe da aliança na mesa de cabeceira é definitivo: o casamento nunca mais será o mesmo.
Peggy, sua irmã, esconde o alcoolismo em belas taças de champanhe e é uma mãe pouco atenciosa. Laura Dern encarna a personagem como uma dondoca de forte sotaque texano e em completa desconexão de bens não materiais. Ela não chega a ser uma pessoa detestável, pois, como mencionei, Altman concebe um universo no qual as peças são dignas de risadas. Dern chega a flertar com a caricatura. Dee Dee, uma das filhas de Sullivan, está prestes a se casar. Nunca vemos o noivo, pois ele não importa, afinal, Dee Dee é lésbica e convidou Marilyn, sua verdadeira paixão, para ser dama de honra. Connie, a outra filha do protagonista, faz tours entusiasmados sobre o assassinato de JFK e é a única que sabe o segredo da irmã. A direção de arte cumpre um papel essencial ao estabelecer o luxo e a segurança, conversando com a prioridade da família Travis, preocupada com a imagem, não com a verdade.
Sullivan vive num mundo dominado por mulheres que acredita conhecer inteiramente. Sua postura e entonação denotam confiança e, ao vê-lo no consultório, percebemos que ele, de fato, tem um importante papel psicológico na vida de suas pacientes, além de ser um excelente médico. Altman agrupa uma série de mulheres no auge da menopausa em uma sala, tornando-a cada vez menor. O consultório reflete o gradativo caos interno do protagonista, culminando numa explosão de hormônios e histeria. Sullivan é sincero quando diz que cada mulher é especial à sua maneira, todavia, não podemos negar que tais palavras advém de um sujeito que acredita ter tudo sob controle. Em outro momento, ele afirma que as mulheres são, por natureza, santas, o que ressalta a bolha fútil e elitista a qual ele está inserido. As mulheres de sua vida parecem santas, porque não fazem nada além de retocar a maquiagem diária; dito isso, todas ali escondem desejos, fragilidades e medos. Em meio à questão envolvendo Kate, Sullivan se apaixona por Bree, assistente do seu clube de golfe. Seu loft é a confirmação de que o protagonista está adentrando um universo distinto, bem mais simples e real do que o habitual. Tudo parece maravilhoso, Bree preenche suas necessidades amorosas e surge como a mulher que faltava em seu quebra-cabeça. Ele acha que pode levá-la para uma aventura romântica. Não seria esse um delírio de sua cabeça? Será que Bree não estava com outros membros do clube? Talvez em Nova Orleans? Não temos nada contra Sullivan, que é interpretado por Richard Gere como um homem digno, sensível e correto, mas é divertido ver alguém convencido de sua sabedoria ver tudo ruir. No fundo, Sullivan é um homem ingênuo e pouco perspicaz.
“Dr. T & the Women” é, muito provavelmente, o trabalho mais criticado da carreira de Altman. Alguns o chamaram de misógino, outros não gostaram de seu desfecho abrupto – eu, por outro lado, adoro a saída bizarra encontrada pelo roteiro -, no entanto, acredito que a maioria não entendeu o teor satírico e sacana da obra. Não, Altman não piorou na década de 2000 e esta é mais uma prova de seu talento inesgotável.