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O casal perfeito vive numa casa perfeita, isolada da confusão urbana. O belo jardim e o lago, antes, representações de uma harmonia difícil de se alcançar, são símbolos da pacatez cotidiana. Quando a previsibilidade perde a graça, o casamento passa a sobreviver por aparelhos, dependendo de muletas e cadeiras de roda para se locomover. Constance parece cansada. O vento da mudança toma conta do ambiente. Jornais voam pela cidade, ressaltando a ânsia de Constance por novidades. Eis que ela esbarra em Paul, um francês sedutor que mora no Soho. Ele a convida para tomar um chá, mas são os planos-detalhe dos corpos e do fogão que traduzem o que realmente está acontecendo ali. Paul vive rodeado de livros; talvez porque os venda, talvez porque seja um grande contador de histórias. A verdade é que aquela bagunça atrai Constance, que, com um simples toque, fica excitada.

Do outro lado, Edward, marido dela, é um excelente pai/marido e um homem extremamente bem-sucedido. Aproveitar o momento significa deixar os instintos mais primitivos tomarem conta de si? Dona de casa, Constance está em busca de sensações, de algo que confira algum sentido à sua existência pragmática. Quando chegamos a esse estágio, tendemos a ir contra o cérebro. A partir de uma fusão lentíssima, somos apresentados ao novo cenário: Edward vê o frágil laço matrimonial desabar, enquanto Constance anda livremente. Ela se comporta como uma jovem boba e feliz. Isso é bom? A visita ao escritório do marido é um sinal de culpa, mas não uma que a faça desistir dos prazeres carnais que redescobriu.

O peso do desejo é acompanhado pelo descuido e Edward, que parecia ingênuo, percebe que as coisas saíram do trilho e se sente impotente. Gradualmente, a angústia toma conta de Constance, que precisa optar pelo órgão que a conduzirá a uma decisão. O grande mérito do roteiro é compreender a posição de cada membro deste triângulo. Constance abandona o silêncio e obedece aos seus instintos animalescos e autodestrutivos. Edward sempre teve tudo sob controle e nunca deu motivos para a esposa desconfiar de suas condutas. Richard Gere compõe um personagem sereno e generoso que, aos poucos, testemunha o inimaginável. Seus olhares melancólicos refletem a miséria interior de um homem que, repentinamente, admite uma vulnerabilidade imensurável. Confusão e ódio são reações naturais; o casal está próximo e distante. No fim, ambos são consumidos pela culpa; ambos se arrependem de seus atos impulsivos. É difícil descrever o que eles sentem, todavia, não tenho dúvidas de que se trata de algo novo e doloroso. Paul ocupa o centro, a posição mais ingrata. Ele tem Constance por algumas horas, constrói uma relação rica em estímulos, vazia em empatia e é quem sofre com a ira de Edward. Na sequência mais desconfortável do filme, o protagonista pergunta ao francês sobre Constance, como se buscasse respostas sobre uma mulher desconhecida.

Todos estão sujeitos a complicações desse tipo; todos têm o seu lado animal; todos escondem uma certa carga de ódio dentro de si. A sociedade funciona porque a maioria se controla. Em “Unfaithful”, os personagens driblam tais “mandamentos”, mostrando-nos que a infidelidade é um passo e tanto para o buraco existencial. Os cortes intensos sintetizam o caos interno de Edward que, em determinado momento, fica cercado pelas grades do elevador. É possível lavar móveis, carros e frutas. E o casamento? É possível viver com tantas memórias traumáticas? Adrian Lyne responde essa pergunta com uma sutileza digna de aplausos – o sinal vermelho é persistente.

Diane Lane oferece uma performance marcante, entregando-se aos prazeres primitivos com uma voracidade notável. A atriz combina tal ímpeto com a incerteza de alguém que sabe a diferença entre o certo e o errado.

“Unfaithful” é um filme subestimado e complexo sobre um tema que ainda é evitado pelos “casais perfeitos”.

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