Existe uma certa banalização em torno do termo “soldado”. A escola militar não forma jovens durões e covardes. Obrigar um civil a vestir uma farda em meio a uma guerra é um ato injusto e cruel. Estamos falando de uma carreira que só pode ser seguida por pessoas capazes de adotar um código de conduta muito particular. “Nunca tenha vergonha de ser humano. Sem humanidade, o líder se torna tirano”, diz o General Bache para Brian, recém promovido a Cadete Major. Pouco depois de serem informados de que, daqui a um ano, a Academia Militar será fechada para a construção de condomínios, Bache, ao tentar interromper uma briga, mata, acidentalmente, um jovem civil. O conselho, então, decide encerrar as atividades por agora, obrigando os alunos a abandonarem anos de disciplina e ensinamentos.
Liderados por Brian, os cadetes confiscam todas as armas e, na busca por diálogo com entidades superiores, formam um batalhão. Eles são soldados, não marginais; adolescentes, não adultos. Por boa parte do filme, eu me vi preocupado e um tanto abismado com a postura de jovens que criam uma potencial zona de guerra. Aquela não é uma simples escola; é um local de pertencimento e de valores que não fazem sentido no cotidiano “tradicional”. No fundo, a única família que a maioria dos cadetes têm está ali, disposta a resistir por uma causa justa e necessária. Para eles, a farda é uma extensão da pele, algo que vestem inconscientemente e que traz consigo um comportamento que só pode ser compreendido com anos de experiência.
O diretor Harold Becker, a partir de contra-plongées e enquadramentos elegantes, ressalta a imponência e a solidão de Bache. “Isso porque é loucura nos apegarmos à honra em um mundo onde ela é vista com desdém”. Da mesma forma, ele estabelece a liderança de Brian, cujo caráter incorruptível e adoração ao seu “mestre” chamam a atenção. A trilha sonora minimalista evoca tensão; todavia, os filhos de uma pátria dissimulada não cedem à pressão. O governo adota diferentes estratégias para convencê-los – da chantagem emocional a ameaças diretas. Em meio ao caos e à organização absoluta, os personagens riem e brincam, afinal, são amigos de longa data. O roteiro entende a educação militar e a natureza jovial, fugindo das convenções de filmes desse tipo.
O pai de Brian aparece como o representante do comitê de familiares dos alunos. A montagem e os close-ups fomentam uma rivalidade intensa entre os dois. Essa sequência, além de mostrar quem é o homem íntegro da situação, diferencia, sem alarde, o verdadeiro soldado, do civil que usa a farda como fantasia de autoridade. A honra só é um alicerce de um lado da grade; do outro, vemos a impulsividade e o egoísmo de seres que acham que estão agindo corretamente. Uns obedecem ordens e afirmam que o bom soldado é aquele que sobrevive; outros lutam por princípios, dignidade e pelo local que aprenderam a chamar de “casa”.
Brian incorpora os ensinamentos de Bache da forma mais genuína possível. Não há tirania; todos são tratados com firmeza e carinho. Quem não se sentir à vontade ou perceber que não está alinhado com a causa, pode se retirar. A opção é dada e a escolha pode ser tomada sem ressentimentos. A pressão fica cada vez maior, a ponto de um tanque ficar estacionado na frente da escola. A fotografia acompanha tal trajetória, apostando numa gradual predileção por tons frios que salientam o medo e o cansaço da maioria. A guerra aponta para a verdade interna e latente de cada um. Dwyer sempre foi honesto; sua obrigação era com os amigos, não com a honra. No auge da desesperança, ele ironiza tudo. Em contrapartida, Shawn, que não media esforços para expor sua entrega total, adquire um fascínio por armas de fogo – as marcas da guerra.
Em um diálogo com um dos militares, Brian sintetiza a obra. “Querem que sejamos bons garotos agora para lutarmos por eles mais tarde. Na guerra que decidirem fazer. Preferimos lutar a nossa guerra agora”. Seu único equívoco, e que faz jus à sua idade, é acreditar que crianças têm a capacidade de escolher e brigar por causas. Becker não faz concessões; seu filme é brutal, honesto e aterrador. Talvez essa seja a sina de quem tem algo a dizer e luta por aquilo que acredita. A névoa da morte.
Este foi o ponto de partida nas carreiras de Sean Penn e Tom Cruise, que estão ótimos em seus respectivos papéis. Timothy Hutton, por sua vez, apesar de estar em seu segundo projeto, já havia sido premiado pela Academia. Sua composição é muito sutil, está nos olhares de admiração para Bache, na postura irretocável que mantém nos momentos mais duros e nos lapsos de descontração. A cena que precede o clímax prova que Hutton era, ao lado do próprio Penn, o ator mais talentoso de sua geração.
Injustamente esquecido, “Taps” é um filme corajoso e cortante.