O grande amigo e confidente de uma criança é o seu brinquedo. É ele quem dá luz ao seu universo fictício, vence os maiores obstáculos e desperta os sentimentos mais prazerosos. Em “Toy Story”, os próprios brinquedos sabem disso, eles têm vida, agem de forma organizada e tem consciência de que é a alegria de seu dono que dá sentido às suas existências.
Os brinquedos se conhecem intimamente, existe uma certa hierarquia no quarto de Andy e é Woody quem está no topo dela. Ser o líder/o favorito é motivo de muito orgulho, sem isso o protagonista teria que se rebaixar a um nível inimaginável. A mudança de casa já causa tensão entre os brinquedos, que são cuidadosamente atendidos por Woody, no entanto, é o aniversário de Andy que os deixam realmente apreensivos. Ninguém quer ser deixado de lado e um brinquedo novo pode representar o esquecimento.
O diretor John Lasseter não está interessado na perspectiva humana e o mais sensacional em “Toy Story” é que, nós, como espectadores, sentimos todos os medos, nervosismos e anseios dos brinquedos. Somos transportados a uma ficção tão palpável quanto a realidade – igualmente “humana”.
O garoto que mistura a cabeça de bonecos, costura pernas no lugar dos braços e planeja pequenas explosões talvez fosse visto como uma criança peculiar ou criativa, contudo, em “Toy Story”, Sid é um monstro, um torturador nato. Bolas e objetos de médio porte se transformam em monumentos esmagadores e um mísero binóculo deixado para trás passa a ser visto como uma grande perda. Essa é a força do roteiro de “Toy Story”, que revolucionou as animações com a introdução total do computador. Os personagens têm textura e são expressivos, assim como todos os ambientes apresentados pelo diretor. Se o quarto de Andy é marcado pelo azul claro e o céu pintado na parede, o de Sid é escuro, repleto de pôsteres bizarros e bonecos descaracterizados. A direção de arte permite que a diferença não surja através de diálogos, mas de detalhes disponíveis em tela. O próprio design dos personagens é esclarecedor. Andy é um garoto comum, com um rosto meigo e olhos sinceros, enquanto Sid, usa uma camisa de caveira, tem dentes tortos e olhos esbugalhados.
Voltando ao aniversário, o grande pesadelo de Woody se torna realidade: Andy ganha um brinquedo capaz de desbancar o seu posto. A câmera apresenta Buzz Lightyear de baixo para cima, realçando a sua imponência. Ele diz ser um patrulheiro espacial que, por algum motivo, caiu em um planeta desconhecido. Todos o idolatram, Buzz solta laser, tem botões com falas e asas pirotécnicas. A grande dúvida é: ele voa ou cai com estilo?
A rivalidade é muito nítida e não é mútua, afinal, Buzz nem sabe que é um brinquedo.
-De onde você é? Hong Kong? Cingapura?
-Não, na verdade, estou lotado no quadrante gama do setor quatro.
Woody assiste, silenciosamente, o novato roubar o seu lugar e decide agir. As interações entre os dois refletem as diferentes realidades em que vivem; um acredita que está destinado a salvar a galáxia das mãos de Zurg e o outro quer apenas ser amado pelo seu dono. Nesse ponto, Buzz é ingênuo e Woody esperto – às vezes, perverso.
O protagonista decide se livrar de seu concorrente e é visto como um traidor pelos colegas.
Perdido e tendo recuperado seu posto sem méritos, Woody decide resgatar Buzz. Uma série de imprevistos e situações cômicas levam os dois a casa do tão temido Sid.
No fundo, “Toy Story” é um filme sobre personagens em uma profunda crise existencial.
Buzz não se conhece verdadeiramente, acredita ser algo que não é e descobre isso da maneira mais dolorosa possível. A TV não mente, ele assiste a sua própria propaganda e percebe que não é único e que, obviamente, não consegue voar. O que Buzz é então? Somente um boneco?
Ser o brinquedo de uma criança traz responsabilidades, uma importância que nenhum patrulheiro espacial jamais teria. O nome de Andy está em sua sola.
Ele o ama e não há nada mais especial que isso. Como disse, John Lasseter é um diretor extremamente empático em relação às suas criações e a cena em que Buzz tenta voar e cai é dolorosa, não apenas pela câmera lenta, mas, principalmente, pelo plano plongée que ressalta o vazio e a solidão que o personagem sente naquele momento.
Woody sempre foi tratado como especial, tanto por Andy, quanto pelos outros brinquedos. Ser o favorito é o que dava sentido ao protagonista e a trajetória, movida por situações tristes, eletrizantes, engraçadas e tensas, prova que seu principal propósito não era ser amado, mas amar quem lhe escolheu. Ambos tinham os nomes de Andy na sola. Fases colocam um acima do outro, o que é normal, afinal, ele é uma criança. Entretanto, a razão de suas existências deve ser dar a Andy a infância mais alegre e satisfatória possível. Sozinhos isso seria impossível e é bonito ver a gradativa amizade que se consolida entre os dois, que compreendem as suas crises e decidem se abraçar por um bem maior. O roteiro ainda é sutil o suficiente para fazer um comentário sobre preconceito. Woody rejeita e demonstra pânico ao se deparar com os brinquedos remendados de Sid, quando na verdade, eles eram apenas seres frágeis e solitários, que, no fim, acabam sendo fundamentais para colocar o antagonista em seu devido lugar.
Vale destacar também a grande coleção de coadjuvantes, envolvendo um porco ranzinza, um dinossauro dócil, um cachorro leal, uma cabeça de batata desconfiada e uma pastora amorosa e sensual – todos, minuciosamente caracterizados.
Tom Hanks e Tim Allen imortalizaram suas vozes nesses personagens. Woody e Buzz são ícones.
Não poderia deixar de enaltecer a maravilhosa trilha sonora de Randy Newman, provavelmente a mais marcante de sua carreira.
Com um desfecho frenético e belíssimo, “Toy Story” é uma das grandes provas de que animações podem ser obras primas.
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