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Christine Collins é uma mãe solteira que faz o possível para garantir uma vida confortável para Walter, seu filho. A relação entre os dois é repleta de afeto e companheirismo. “Primeira regra, lembra? Não comece a briga, mas sempre termine”. Ela conquistou seu espaço e o roteiro a coloca numa situação em que sua força interior será posta à prova.


Baseado em fatos reais, “A Troca” narra a trágica história de uma mãe cujo filho desapareceu e que se viu imersa no escândalo de corrupção do Departamento Policial de Los Angeles. Após meses solitários, Christine é informada que Walter foi encontrado. Animada, ela vai à estação de trem e, imediatamente, percebe que aquele não é o seu garoto. Jones, o asqueroso capitão da polícia, tenta convencê-la de que não há engano algum e que, devido aos maus tratos que Walter sofreu, as mudanças físicas são normais. Os flashes da câmera disparam, dando a publicidade necessária para um Departamento que controla a lei. O médico enviado por Jones não está lá para examinar o garoto, mas para repetir o que já havia sido dito antes. Seus argumentos poderiam ser refutados pelo pior aluno de biologia.


A polícia não é apenas alheia e insensível; seu único interesse é manter a imagem de instituição infalível. Eles têm noção de que Walter provavelmente continua desaparecido, porém, nem cogitam a possibilidade de reabrir o caso. Qualquer um que lhes cause embaraço é um inimigo e Christine, ao unir forças com Gustav Briegleb, um pastor presbiteriano famoso por denunciar a brutalidade e a corrupção do Departamento, os coloca contra a parede. A protagonista não tem intenção de combater o sistema, no entanto, percebe que somente assim obterá as respostas necessárias. Exposto, Jones tranca Christine num hospício. O Estado se livra de quem clama pro justiça e precisa ser acolhido, mantendo, assim, um modus operandi baseado na inversão de valores e no menor esforço. O “tratamento” do “médico” consiste em torturas físicas e psicológicas para que a protagonista retire as queixas. Ela não é a única pobre coitada, o local está repleto de mulheres indefesas que foram presas por buscarem ajuda.


A predileção da fotografia por tons frios é responsável por fomentar uma atmosfera melancólica e fúnebre, o que também é potencializado pela chuva. Christine, invariavelmente, fica em ambientes escuros, incluindo a própria residência. As sombras marcam seu rosto e, quando relacionadas aos policiais, destacam o caráter deles – as sombras da lei. Os figurinos seguem um padrão similar: em tons pesados ou pastéis, eles cobrem a protagonista e ditam sua trajetória angustiante. O trabalho de reconstituição de época é igualmente fascinante (a obra se passa nos anos 20). O chapéu de Christine é muito característico daquele período, assim como o fato dela trabalhar numa companhia telefônica usando patins. A direção de arte capricha nos detalhes que constituem a cidade – destaque para os carros e os bondinhos – e mergulha a protagonista num universo descolorido.


Mas, afinal, o que aconteceu com o verdadeiro Walter? A partir de uma trama paralela envolvendo Ybarra, um dos poucos policiais honestos, chegamos a Sanford Clark, um garoto canadense que está ilegalmente nos Estados Unidos. Detido, ele confessa, aos prantos, que Gordon Northcott, seu primo, matou aproximadamente 20 crianças em seu rancho, cuja aridez passa a impressão de um lugar maldito. As sequências com Northcott talvez sejam as mais perturbadoras da carreira de Clint Eastwood. A luz instável e o contra-plongée o transformam, aos olhos de crianças prestes a serem abatidas, num monstro.
As pontas se alinham, o assassino é preso e Christine é vista como uma heroína pelo povo. Através de uma fusão, Eastwood sintetiza o duro arco da protagonista. A imagem do desenho de Walter se dissolve, dando espaço ao tribunal – ela só queria o filho de volta. A caminhada de Northcott até o enforcamento é estendida ao máximo pelo cineasta, que não alivia para o espectador. No fim, o casaco verde e o chapéu branco, de um formato diferente dos demais, ressaltam a “esperança” que Christine carrega consigo.


A trilha sonora, composta pelo próprio Clint Eastwood, é magistralmente bela e triste. A subestimada Angelina Jolie oferece a melhor performance de sua carreira. A protagonista, além de injustiçada, sente uma dor descomunal e precisa encontrar forças para se manter tranquila diante de policiais e médicos. A atriz atinge esse equilíbrio com propriedade e está espetacular na cena em que confronta Northcott. Jason Butler Harner não tem tanto tempo de tela, contudo, sempre que surge, nos dá calafrios.


“A Troca” é um dos melhores filmes de Clint Eastwood e merece um reconhecimento maior.

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