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Em um dia aparentemente normal, Miles Cullen se depara com um bilhete que indica que o banco no qual trabalha será assaltado em breve. Solitário e ordinário, o protagonista gosta de Julie, que é amante de seu patrão. No dia seguinte, ele percebe que a grafia do tal bilhete é idêntica a do cartaz carregado pelo Papai Noel do shopping, com quem troca alguns olhares. Convicto de aquele homem fantasiado é o bandido, Miles, a fim de chacoalhar sua realidade, decide pegar a maior parte do dinheiro para si, o que denota uma capacidade perceptiva extraordinária, afinal, ninguém suspeitaria de um cara que coleciona peixes e que tem uma lancheira do Superman.

Mais do que isso, ao vislumbrar o cenário completo, o protagonista chega à conclusão de que o Papai Noel será, no mínimo, visto em cena, eliminando a chance de uma investigação. O cineasta Daryl Duke é habilidoso ao elaborar uma atmosfera tensa e claustrofóbica a partir de planos-detalhe e close-ups, fechando os envolvidos no crime num universo particular, tomado por movimentos minuciosos – semelhantes ao de uma partida de xadrez. Em determinado momento, Duke enquadra Miles atrás das grades do cofre, ressaltando o risco de seu plano. Tudo dá certo, o protagonista é tratado como um herói por ter acionado o alarme e por ter mantido uma postura segura diante de um potencial assassino.

Reikle, o assaltante, é um homem confiante, imponente e incansável. A montagem associa os dois, estabelecendo uma rivalidade e provando que, no fundo, estamos diante de faces distintas da mesma moeda. Ambos são espertos, capazes de mudar as regras do jogo e de se colocar à frente do oponente. Miles não foi seduzido pelo dinheiro, mas pela chance de abandonar a zona onde nada acontece e a fama de “inofensivo”. O roubo tem um caráter transformador, é a chave para concluirmos que, antes, ele vivia num estado crônico de insegurança e pacatez. Sua expressão facial muda e seu efeito sobre as mulheres também.

“Sabe, Charles o subestima. É do tipo que o pessoal eventualmente subestima?”, pergunta a esposa de seu patrão. De repente, Julie se mostra interessada nele, que age como um sedutor profissional, tão carismático quanto Cary Grant. Reikle reconhece um oponente qualificado e decide atormentá-lo com ligações e ameaças. Como mencionei, essa não é apenas uma disputa por dinheiro, mas pela manutenção de um estado de espírito revigorante e animador. Tememos por Miles, todavia, seus jogos psicológicos são igualmente eficientes.

A sequência em que as posições literalmente se invertem, com o protagonista fugindo pela janela e telefonando pelo orelhão para Reikle, ludibriado, é extremamente bem pensada e concebida. A luz vermelha acentua a intensidade do duelo. Miles vence mais um round, conseguindo incriminar o rival por um crime que não cometeu, o mantendo fora de ação por alguns dias. Eis que surge uma nova figura. Elaine se introduz como enfermeira de seu falecido pai, no entanto, tendemos a não acreditar numa jovem atraente e cheia de segundas intenções. Ela serve para catapultar a confiança de Miles e a obrigá-lo a se reinventar enquanto jogador disposto a tudo para provar quão subestimado é.

-Você é um homem diferente.

-Ninguém nunca pensou isso de mim antes.

A trama contempla a imprevisibilidade dos personagens, surpreendendo o espectador com reviravoltas orgânicas. Elaine era a garota de Reikle, contudo, após se envolver com o protagonista, a princípio, para usá-lo, percebe que não precisa de um criminoso para se sentir protegida e muda de lado. Charuto, champanhe e um brinde? Sim, é um bela transformação. Reikle se vê saqueado por Miles, que rouba sua namorada, seu dinheiro e sua infalibilidade. Duke prova, mais uma vez, ser um cineasta atento à construção cênica. Eu não vou dizer o que acontece, apenas que o protagonista atende ao telefone na sala escura, escuta o riso diabólico, acende a luz e reage espantado. São passos simples, mas que denotam um cuidado enorme dos realizadores – posicionar Miles num ambiente escuro é uma forma sutil de dar um ponto a Reikle.

Outro detalhe importante, que vai ao encontro do arco do nosso herói, é o fato dos peixes – animais relacionados à fragilidade – sumirem de seu apartamento. Como o próprio título anuncia, eles são parceiros silenciosos, sócios no crime e seres que representam espectros opostos da sociedade – não somos tão diferentes assim…

O clímax reúne todas as qualidades citadas acima. O roteiro de Curtis Hanson está sempre à frente do espectador, brinca com um gênero consagrado, explora a angústia de um homem ignorado e nos brinda com diálogos cheios de ironia. Miles é perguntado, despretensiosamente, algumas vezes, o que faria se tivesse o dinheiro roubado. “Bom… esperaria um tempo para me assegurar que ninguém suspeitasse de mim”. Os demais não sabem, mas ele revela o seu plano abertamente. A trilha sonora é um dos pontos altos, impressionando por sua força angustiante.

Christopher Plummer está incrível na pele do assassino impiedoso e mestre dos disfarces. Elliott Gould é o contraponto perfeito. Sua performance está em seu rosto, que não poderia ser mais expressivo. Poucos atores simbolizaram o cinema da “Nova Hollywood” com tanta propriedade.

“The Silent Partner” é uma maravilha sob todos os aspectos.

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