“Gosto de você porque posso dizer o que eu penso”. Paul tinha fama de mulherengo, todavia, após a chegada de Noel, irmã mais nova de seu melhor amigo, se transformou numa versão melhor de si. Ele não sabe muito bem o que está sentindo, tem medo de apressar as coisas e de que a aparente perfeição se esvaia. O protagonista é um sujeito ordinário, que assumiu uma vida ordinária e que vive num lugar ordinário. Ele não tem um emprego definido, passa os dias perambulando com seus amigos, conversando e bebendo. O roteiro acerta ao focar nas interações mais banais e simples possíveis, caracterizando, dessa forma, um grupo de personagens que não tem muito a dizer.
Ao lado de Noel, Paul fica desconcertado e sem jeito. A mediocridade é deixada de lado quando os dois ficam juntos e compartilham segredos. David Gordon Green foge de qualquer exibicionismo, dando espaço para os atores e para o espectador notar as sutis reações, apaixonadas e tímidas. Essa não é uma história de amor que se vale de elementos “intrusivos”, como, por exemplo, uma trilha sonora chamativa, mas de diálogos honestos e situações delicadas. Gordon Green não apela para o sentimentalismo para “emocionar” o espectador, seu compromisso é com o casal. Alguns momentos só fazem sentido para eles, que falam numa tonalidade vocal baixa, comum à pessoas inseguras e solitárias.
Tip, irmão de Noel, fica furioso ao ser informado sobre o relacionamento. Ele pensa no bem estar da irmã e sabe que o amigo tem um passado idêntico ao seu (leia-se, ambos menosprezavam e usavam as mulheres). “É meu parceiro no crime”. O que Tip não percebe, é que a sua preocupação, apesar de justa, denota uma considerável falta de senso crítico. Boa parte dos “caras” que surgem em tela não amadureceram e nem têm a intenção de dar esse passo adiante. Seres conformados com um cotidiano pacato, movido por diversões esquecíveis e laços frágeis. Isso fica evidente na bela cena em que Tip e o protagonista se reconciliam.
-Cara, olha para nós. Estamos ficando velhos.
-Eu não, cara, Eu não cresci. Ainda durmo de luz acesa, mijo na cama e chupo o dedo.
Tip, acidentalmente, engravidou sua atual parceira e enxerga o filho como a grande chance de crescer, de começar a pensar em algo além de sexo e álcool. Ele ama a namorada? Não. Já segurou um bebê no colo? Não. Devido ao seu desespero, esse são detalhes reduzidos, que não valem a pena ser discutidos. Boa parte do filme é rodada ao ar livre, o que potencializa a abordagem suave e contemplativa do cineasta. Ao sobrepor a voz do casal com imagens de um riacho, ele afirma que o amor é tão importante à natureza humana, quanto as árvores e a água para a natureza. Tudo é alinhado com o arco do protagonista, que se redescobre enquanto ser humano passional. Sexo era sinônimo de sujeira, representa a fase em que ninguém importava e todas eram objetificadas. Por isso, quando estão na cama, Paul prefere abraçá-la e conversar – transar significaria resgatar uma memória desagradável.
Em contrapartida, Noel, que é virgem, perdida nos anseios da juventude, por mais que entenda o protagonista e o ame intensamente, se sente um tanto rejeitada. Interpretada pela competente Zooey Deschanel, Noel é uma figura doce que sofre por traumas do passado e pelo medo de trilhar o mesmo caminho de seus familiares. O roteiro de David Gordon Green mergulha nas nuances do amor. A distância é importante para assentar os sentimentos e entrar em contato consigo. Talvez as coisas não sejam tão perfeitas quanto pareciam; talvez ela realmente seja a mulher da sua vida.
Durante esse período, Paul e Noel conversam pelo telefone. O aparelho dela é preto e o ambiente no qual se encontra está tomado pela névoa; o dele é laranja e os tons quentes reafirmam a beleza da natureza. Em uma narrativa tão uniforme e desprovida de excessos, sutilezas assim são marcantes. O casal não está mais naquela sintonia hipnotizante.
O nervosismo de Noel e a câmera instável indicam que o fim está mais próximo do que imaginávamos. A montagem, que, através de fades e cortes secos, já evidenciava o vazio que ditava a existência daquelas pessoas, investe numa poderosa passagem de tempo, aumentando a velocidade da imagem, mantendo Paul preso ao amor em seu estado melancólico e desolador. O protagonista sofre do mal que causou a algumas garotas e, por mais que não enxergue nada além do tormento que assola sua alma, está, finalmente, amadurecendo.
“Sou só um cara que achou que estava no caminho certo”. O amor molda perspectivas e caráter. A trajetória humana, diferentemente do que Paul havia se acostumado, não é sobre despreocupação e acomodação. A dor é um sintoma do entendimento de que a vida pode ser mais do que papo furado. O desconforto é um passo primordial para novos desconfortos e responsabilidades. Sua relação com os pais não é um dos pontos altos do filme, no entanto, o diálogo entre os dois, no fim, é belíssimo e sintetiza a obra.
-Vamos sempre ser velhos?
-Não quero fazer isso sozinho.
O rio não para, sua fluidez é incansável, assim como a nossa busca pelo amor.
Paul Schneider, que assinou o roteiro junto com David Gordon Green, oferece uma performance silenciosa e poderosa. É como o desabrochar de um homem que, até então, era um garoto imaturo. Medo e alegria se confundem na medida em que a intensidade de seus sentimentos aumentam.
“All The Real Girls” é uma pérola que merece um reconhecimento maior.