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As freiras de um convento anglicano são convidadas por um general para realizar um trabalho voluntário em seu palácio situado no Himalaia. O local é distante e de desafiador convivo; os seus habitantes desconhecem a palavra ordem.

A jovem e ambiciosa irmã Clodagh é escolhida para ser a madre superiora, no entanto, não tem a confiança de sua líder, que acredita que ela não suportará a pressão requerida pela missão.

-Será como nos velhos tempos!

-Não são este tipo de dama.

O palácio, repleto de detalhes vermelhos e rodeado de pinturas de moças nuas, era uma espécie de harém, conhecido como “A Casa das Mulheres”. Mr. Dean é o anfitrião, responsável por acomodar as freiras e resolver quaisquer problemas. Ele está sempre com o corpo à mostra, instigando nas voluntárias, sem esforço, tensão sexual.

O fato dos alunos serem pagos para frequentarem as aulas e a precariedade estrutural do lugar são pormenores se considerarmos a tentação enfrentada pelas irmãs, ressaltada não apenas pelo “passado” do palácio e pela presença intimidadora de Dean, mas também pelos espaços abertos, as flores de cores vibrantes e os tons quentes. Até mesmo o sino, quando é balançado, remete a algo “inapropriado”.

“Sem disciplina, nos comportamos como crianças”, diz Clodagh para Dean, que retruca: “você não gosta de crianças?”, numa provocação cuja intenção é atingir os instintos mais primitivos da madre superiora. A grande questão abordada por Powell e Pressburger é sintetizada nos rápidos sorrisos de Clodagh, que, rapidamente, se recompõe.

As freiras fazem votos, aderem à castidade e sabem que percorrem uma linha tênue, que, em hipótese alguma pode ser rompida. No entanto, não podemos esquecer que antes de “santas”, elas eram mulheres com sonhos e desejos comuns e que, no fundo, estes ainda habitam seus corações. A ida ao Himalaia é o teste final: essas freiras adotaram definitivamente o “hábito” ou ele é somente uma máscara, um esconderijo usado para escapar de traumas do passado?

Assumir compromissos que desafiam a natureza humana não seria um martírio? Seres em pleno processo de “desumanização” saem em missões ensinando exatamente o que?

No Himalaia, como já foi mencionado, o profano está por todos os lados. O “hábito” manchado de sangue é um símbolo poderoso, mas os cineastas não param por aí. Kanchi é considerada uma jovem errática e Clodagh decide acolhê-la. Elas ficam frente a frente e as diferenças culturais, somadas ao contraste nos figurinos, é outra forte representação do embate entre o sagrado e o profano.

A atenção especial ao rosto da protagonista revela uma certa apreensão e melancolia. As elegantes fusões nos levam ao passado, quando ela falava alegremente e era apaixonada por um rapaz. Após a frase: “não, quero ficar assim minha vida toda”, os rostos são sobrepostos e, enfim, entendemos o que a aflige tanto. No momento de demonstrar força, Clodagh “fraquejou” e sentiu saudades dos tempos em que o amor era uma opção. A sombra de uma enorme cruz refletida no seu rosto ressalta a ideia de prisão, de uma vida escassa em possibilidades.

De branco, as irmãs perdem qualquer traço de individualidade, levando o espectador, às vezes, a confundi-las. As demais, às suas maneiras, também são afetadas pelo espaço. Honey começa a se culpar por tudo de ruim que acontece; Briony fica, gradativamente, mais fria e distante; Philippa admite que se perdeu em si mesma (leia-se, os votos perderam o sentido), que está gostando do lugar e clama por uma transferência, enriquecendo o debate acerca do dogma e do livre arbítrio.

Dito isso, é Ruth quem, de fato, desaba sobre os prazeres carnais e a desilusão religiosa. A fresta da janela confere uma conotação pecaminosa ao seu ato de observar Dean à distância. Seu rosto inclinado, imerso às sombras, na conversa que tem com Clodagh é definitivo; não à toa, em sequência, seu olhar apresenta um aspecto quase demoníaco.

Perdida nas próprias memórias e na constatação de uma existência banal, a protagonista luta para recuperar Ruth, o que se mostra uma missão impossível. Dean não é um canalha, seu jeito sacana faz parte de sua personalidade, todavia, sua preocupação com Clodagh é genuína. “Notei uma diferença em você”. “Você é humana”.

No terceiro ato, a escuridão é drasticamente acentuada, refletindo o caos mental das freiras e o tom alaranjado dialoga com a autodestruição profana de Ruth. Sua queda é um sintoma da forte repressão que sofria e o plano-detalhe de seus olhos é aterrorizante. Ela descarta o hábito, coloca um vestido vermelho e solta o cabelo. Clodagh segura uma bíblia e Ruth passa o batom na boca…

O clímax é uma aula de como construir uma atmosfera tensa; a escuridão, a trilha sonora inquietante, os movimentos de câmera sugestivos e os cortes certeiros precedem uma tragédia anunciada. Na hora de ir embora, uma intensa camada de fumaça cobre o local, frisando o seu caráter maldito.

O Matte Painting, marca registrada na carreira da dupla, volta a dar profundidade aos cenários – a torre do sino exemplifica a eficiência desse artifício – , impressionando, em sintonia com a beleza do trabalho artesanal da equipe responsável pela direção de arte.

Deborah Kerr oferece uma performance poderosa e contida; seu rosto é algo a ser estudado minuciosamente.

Kathleen Byron personifica a repressão católica e o ódio cego com uma potência poucas vezes vista em tela.

Estonteante, “Black Narcissus” é uma das principais obras primas de Powell e Pressburger.

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