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Ryan Bingham ganha a vida demitindo funcionários de empresas ao redor dos Estados Unidos. Diariamente, ele repete um discurso, o adequando de acordo com a estabilidade emocional do pobre coitado. Somente um homem insensível e frio suportaria um emprego tão ingrato. Ryan está em constante movimento, seu maior objetivo é alcançar dez milhões de milhas aéreas e sua casa é a poltrona mais confortável dos aviões. Ele vive em salas vips de aeroportos e hotéis, nunca se relacionou com alguém e detesta ficar mais de um mês na sua “residência”, caracterizada pela direção de arte como um espaço vazio, genérico e carente de cores.

O protagonista mal entra em contato com sua família, não está interessado em saber o que suas irmãs têm a dizer, não aprecia o mundano e despreza o matrimônio. Seu dever é consigo e com o conceito de “mochila” que concebeu. Nas suas palestras motivacionais, Ryan estimula as pessoas a não assumirem compromissos. Ele se isolou do contato humano, pois, em algum momento, precisou estar sozinho. Sua zona é tão confortável assim ou sua falta de abertura e senso de superioridade o impediram de olhar através do espelho?

Em uma de suas paradas, Ryan conhece Alex, que também vive perambulando pelo país e se excita ao comparar seus cartões de fidelidade. A união entre seres que tratam o termo “casual” como um lema pessoal não deixa de ser um encontro e, a partir daí, o protagonista inicia sua jornada de redescobrimento.

Seu chefe contrata uma jovem que pretende iniciar o processo de demissão online. Os empregados poderão passar o natal em casa, o que, imediatamente, deixa Ryan enfurecido. Ele a provoca e prova ao patrão que Natalie não é apta o suficiente para se sentar à mesa e demitir alguém. O protagonista, então, é obrigado a levá-la a uma de suas excursões e ensiná-la os métodos básicos de seu ofício.

Em determinado momento, Ryan é descrito como um dinossauro. Se analisarmos tal afirmação como uma forma de ressaltar a sua mentalidade retrógrada e quase extinta, perceberemos que ela não poderia ser mais precisa. Por outro lado, não podemos negar que o pragmatismo do protagonista é o que o torna um profissional tão requisitado e respeitado. Para aguentar o choro, as ameaças de suicídio e as histórias daqueles que são demitidos, sem baixar a guarda, é necessário um tipo de descaso muito específico.

Não digo que Ryan seja uma má pessoa, apenas que a falta de relacionamentos o vacinou contra qualquer tipo de emoção humana. Natalie fala sobre o seu namorado, seus planos e o desejo de construir uma família. Com apenas vinte e três anos, ela parece, em alguns aspectos, muito mais madura que o protagonista. Ryan ri como uma criança de dez anos ao escutar a palavra “amor” e se defende tanto, que chegamos a conclusão de que, na verdade, nem sabe o que isso significa. Ele deve ter visto algumas comédias românticas e decidiu se colocar num pedestal onde tudo que parte do coração é ignorado ou considerado digno de pena.

Quando Natalie é dispensada pelo namorado, o protagonista, admirado por sua sabedoria, não tem nada a dizer. Os únicos momentos nos quais Ryan não age mecanicamente, são aqueles que divide com Alex; ali estão os sorrisos, a descontração, a honestidade e o ombro para repousar.

No contrato invisível assinado pelos dois, a relação não passa de algo casual, todavia, no destreinado coração do protagonista, a casualidade é a chance de abandonar as sombras e se tornar um grande homem. Gradualmente, no cotidiano com mulheres que o ensinam lições similares, Ryan, em silêncio, se convence de que talvez esteja na hora de assumir alguma responsabilidade. Natalie, em contrapartida, presa às convicções de uma jovem ambiciosa e imatura, cresce ao lado do protagonista. Após demitir um senhor, ela respira e quase desmorona ao ler a infinidade de nomes contidos na lista. A partir de sequências desse tipo, o roteiro explora o seu amadurecimento emocional e a percepção de que aquele não é o seu lugar.

A irmã do protagonista está prestes a se casar e Ryan não quer mais ser visto como “o cara solitário no bar”, então convida Alex para ser seu par. A leveza e a paz de espírito são notáveis, no entanto, o que realmente chama a atenção é a simplicidade dos noivos. Eles não são ricos, assumem uma vida humilde e sabem que dificilmente vão viajar, mas são felizes. Talvez nada faça sentido, o que reforça a nossa obrigação pela busca da melhor versão de nós mesmos – Ryan não tinha mais dúvidas de que a parceria era a base para dias melhores e uma existência menos banal.

Jason Reitman não se intromete muito, o carro chefe é o seu texto, todavia, há um plano extraordinário que eu não poderia deixar de citar. Os noivos montam um mural com fotos de cartazes com suas imagens ao redor dos Estados Unidos. O protagonista observa o mural, que forma o mapa de suas coordenadas semanais, e não enxerga nada. A junção das fotos é inconclusiva, um tanto turva, assim como a vida dele. Não é Ryan quem leva Julie para o altar, suas irmãs o perderam de vista e o reencontro não deixa de ser bonito.

Tudo caminhava para um desfecho “previsível”, porém justo e coerente. Reitman merece elogios por optar pelo direcionamento mais real e duro possível, deixando o espectador, no fim, preocupado com o seu futuro. As relações podem dar certo ou errado, mas são uma tentativa de sair do lugar comum; o isolamento é a manutenção, o aprisionamento absoluto.

George Clooney oferece uma interpretação calcada no seu charme e retórica convidativa. São os pequenos gestos e mudanças na sua expressão facial que fazem de Ryan um personagem fascinante.

“Up In The Air” é um filme indispensável.

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