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Uma poderosa empresa de petróleo planeja construir uma nova refinaria. O lugar mais apropriado é uma ilha escocesa, no entanto, para concluir o negócio, os habitantes precisam concordar com os valores oferecidos para as suas desapropriações. Felix Happer, o presidente da companhia, dorme e ronca durante a reunião; está mais interessado na beleza dos cometas do que em petróleo. Seu psicólogo é um charlatão que segue uma linha profissional, no mínimo, estranha. Ao ser demitido, o tal sujeito passa a ameaçá-lo – um dos pontos altos cômicos do filme.

Para negociar com o povo local, a empresa envia Mac, cujo sobrenome o faz passar por um escocês. Ele dirige um Porsche e ganha muitíssimo bem, todavia, parece desanimado e desinteressado em quase tudo que faz. No aeroporto, o protagonista é recebido por Oldsen, seu assistente e fiel escudeiro.

A ilha, com seus tons frios, paisagens naturais e silêncio reconfortante, não poderia ser mais diferente de Houston. Os prédios monumentais dão espaço a pequenas casas e ambientes convidativos. A negociação é surpreendentemente simples, afinal, todos ficam maravilhados com a quantia que lhes é oferecida. Urquhart, o dono do hotel, é o primeiro a celebrar a fortuna que adquirirá.

“Local Hero” não tem uma trama especialmente marcante, é uma obra que encontra no cotidiano de uma ilha afastada das neuroses comuns às metrópoles o seu grande charme. Não há um momento surpreendente; acompanhar Mac em sua jornada, que deixa de ser profissional, assumindo um caráter pessoal, é suficientemente fascinante.

Seu arco está nas caminhadas matinais que dá pela praia e nas conchas que seleciona cuidadosamente. Normalmente, um “bom dia, Sr. Mac”, passaria despercebido, entretanto, aqui, é a prova de que o protagonista foi bem aceito e é querido na ilha para onde, a princípio, não queria ir. A narrativa circular ressalta a pacatez da região – várias situações se repetem -, o que não torna o filme enfadonho, pelo contrário, eleva a sutil comicidade e nos aproxima dos personagens.

Falando no humor, as diferenças culturais são brilhantemente exploradas. Logo no início, Mac e Oldsen resgatam um coelho machucado e, quando menos esperam, sem terem a menor ideia, saboreiam o pobre coitado. Em outro momento, o protagonista pede para o Padre local guardar um segredo, o que, obviamente, é impossível, já que estamos falando de uma ilha onde todos sabem tudo que acontece – as pessoas correndo ao fundo é um toque genial.

Mac não faz a barba, não se preocupa com possíveis promoções ou com o seu Porsche, nem é engolido pelo edifício comercial. Ele ri ao lado de pescadores, vislumbra o amor verdadeiro, fica bêbado e dança valsa na festa de comemoração. Stella, mulher de Urqhart, é quem chama a sua atenção e, sem que ele exponha seus sentimentos, notamos em olhares e em rápidos sorrisos que algo mudou em seu coração.

Não, o protagonista não se declara, nem vive um romance proibido, apenas sente, pela primeira vez, que a vida pode ser mais do que salários exorbitantes e salas cheias de executivos. Completamente bêbado, Mac chega a falar para Urqhart que deseja ficar na ilha com Stella, todavia, inteligente e humano, o roteiro não leva a situação a sério, a tratando exclusivamente como uma conversa entre amigos “levemente alcoolizados”.

O encantamento de Mac é traduzido pelo cineasta Bill Forsyth e pelo diretor de fotografia, que admiram as paisagens bucólicas da ilha através de planos gerais estonteantes. A sequência dos meteoritos e a da aurora boreal são de uma rara exuberância e o uso de contraluz coloca o protagonista na posição de espectador, um apreciador daquilo que nunca tinha visto e julgava ser impossível. O corte nos leva ao frenesi de Houston, ratificando o porquê da vontade de Mac de permanecer ali.

A direção de arte, tirando a cabine telefônica, foge de cores quentes, o que não reforça melancolia, mas a simplicidade de um lugar em que as coisas são genuínas e a diversão advém de seu estado de espírito. Por outro lado, em Houston, a sala de Happer é enorme e acoplada à tecnologia.

Os moradores querem ficar ricos e Mac quer abandonar as garantias de uma existência segura… queremos aquilo que não temos, aquilo que desconhecemos.

O roteiro ainda dá espaço para Oldsen e Marina, uma bióloga, desenvolverem uma relação que, além de adorável, é fundamental na concepção daquele universo. Por último, Happer, cansado de seu psicólogo maluco e de petróleo, vai a ilha, fica amigo do único senhor que não concorda com o negócio e decide abortar a missão, abrindo, em vez de uma refinaria, um instituto científico.

Burt Lancaster é sempre um intérprete incrível de se observar, no entanto, o principal destaque do elenco é Peter Riegert, que transmite uma série de emoções e atravessa um arco considerável com um minimalismo admirável.

A trilha sonora de Mark Knopfler, lindíssima e discreta, sintetiza a obra. Aliás, seguindo com Dire Straits, “Local Hero”, se comparado a uma música da banda, seria “Love Over Gold”: é bonito, poético, singelo e não tem pressa para chegar ao desfecho, sendo esse o seu grande êxito.

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