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O silêncio e a falta de movimento nas ruas chamam a atenção. As pessoas respeitam suas funções em casa, não questionam, nem clamam por “justiça”. O olhar de Antonietta denota exaustão. Ela acorda a todos, prepara o café da manhã e precisa arrumar o apartamento, que, por algum motivo, parece estar sempre em desordem. Emanuele, seu marido, faz as exigências costumeiras e enxuga as mãos em seu vestido.

Ele e os filhos estão a caminho do evento mais esperado dos últimos anos: o encontro entre Hitler e Mussolini. Antonietta não pode largar o ofício e só muda a voz claudicante quando seu papagaio foge, parando exatamente na janela de seu vizinho.

Através de uma panorâmica, chegamos a Gabriele, que abre a porta um tanto desconfiado e mantém uma certa distância. Gradativamente, ao perceber a boa índole da protagonista, ele se anima, mostrando que não precisa de muito para deixar de ser uma alma solitária. Antonietta, por sua vez, fica em dúvida sobre a gentileza do vizinho; há tempos não era bem tratada e um simples sorriso era motivo para se sentir desejada.

Fantasmas da própria existência, os dois estabelecem uma das mais belas relações já postas em tela. Em determinado momento, Gabriele conversa no telefone com um amigo que, pelo que tudo indica, está doente. A falta de assunto o aflige e Scola passeia com a câmera rente a sua nuca, ressaltando sua ansiedade. Não se trata de uma indelicadeza, apenas de um genuíno e desesperador desejo de manter contato humano.

Os travellings acompanham os personagens e analisam suas residências, verdadeiros túmulos da singularidade. Gabriele, vislumbrando a oportunidade de se aproximar de alguém, bate à porta da protagonista, que aceita um livro emprestado e prepara um café. Seu conflito interno é brilhantemente retratado por Sophia Loren, cujas expressões faciais e movimentação constante transmitem um misto de culpa e lisonjeio. Ela está feliz, mas não deveria; é tratada pelo marido como uma escrava, mas deve respeitá-lo; quer ser amada, mas precisa ser forte o suficiente para manter sua “honra”.

O ânimo de Gabriele é contagiante, está na sua entonação, nos sustos que dá na nova amiga e no passeio de patinete pela sala – um retorno à juventude. Após um embate aguerrido, Antonietta vai ao banheiro e se ajeita. Ela pega o batom e o aproxima da boca, porém desiste, o guardando cuidadosamente. “Cozinha não é lugar para os homens”, diz a protagonista, provando que boa parte das mulheres daquela época sofreram uma lavagem cerebral de difícil reparação.

“Acabamos sempre nos adaptando à mentalidade dos outros… mesmo quando estão errados”. Por mais silencioso que seja, Gabriele não finge que não entende o contexto geral e o real significado de um governo fascista. Enquanto dialogam, o som do baile invade a sala – Hitler está na casa, não há para onde correr.

Gabriele se depara com um álbum de fotos dedicado a Mussolini, com frases absolutamente machistas e autoritárias. Para sua surpresa, era Antonietta quem o mantinha atualizado; ela, inclusive, relata que na única vez que o viu, desmaiou de emoção. A protagonista, então, precisa lidar com duas “bombas”: Gabriele é antifascista e homossexual.

“Eu não sou antifascista. Diria antes, que o fascismo é anti-inquilino do sexto andar”.
A retórica de Antonietta não é pessoal, advém de uma doutrinação, do autofalante dos comícios, da aceitação de que sua única função é servir um homem que a despreza. “Não, eu não rio sempre. Na verdade, não tenho motivos para rir”. Gabriele só estava ao lado de uma pessoa especial e, diferentemente da protagonista, ele consegue apreciar momentos raros. Eventualmente, Antonietta percebe que seu destempero, também associado à sua frustração amorosa, é injusto e agressivo.

Após o caos, ela vai à sua casa e, em um plano conjunto, Scola sintetiza aquela relação. Em cantos opostos, eles mal podem esperar para se sentar, conversar e esquecer as besteiras ditas anteriormente.

Sua maior tristeza, claro, admitindo a impossibilidade de um casamento respeitoso, é ter certeza de que nunca será capaz de escrever uma carta amorosa tão bela quanto a da amante de seu marido. No início, o diretor, num plano sutil, enquadra Antonietta atrás de um corrimão com grades…

Em uma tarde, eles viveram mais do que nas últimas décadas. O abraço vai além da paixão, denotando uma adoração melancólica, já que, na próxima refeição, a protagonista estaria novamente escorada na mesa.

Este é o filme fotografado a cores “mais preto e branco” que já assisti. Considerando a situação em si e o que viria a acontecer em 1939, a escolha por uma tonalidade amarga e desesperançosa se mostra perfeita. Nesse sentido, a direção de arte também contribui, com prédios sem identidade, “descoloridos”, apartamentos zoneados e paredes em tons pastéis. O único elemento de contraste é o pulôver vermelho de Gabriele, que reforça seu espírito acolhedor e sua empatia.

Marcello Mastroianni oferece uma performance encantadora e contida. Ele encontra o equilíbrio ideal entre a carência, a solidão, a aceitação de um homem que reconhece o meio em que habita e a natureza brincalhona de seu personagem.

Sofia Loren é uma força da natureza. Ela não depende de palavras para captarmos suas angústias.

“A Special Day” é a obra prima que colocou Ettore Scola definitivamente entre os grandes mestres do cinema italiano.

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