Oreste é um pobre coitado; um sujeito que dorme em praças públicas, é casado com uma mulher de modos questionáveis, vive num casebre prestes a ruir e aparenta estar sempre sujo. Repentinamente, Adelaide se aproxima dele e se declara. Não se trata de uma obra do acaso, ela observa o protagonista há bastante tempo. “Apesar de não me conhecer, sempre pensei em você”. Estamos falando de uma sonhadora, de uma mulher que agarra as oportunidades com unhas e dentes.
O romance é retratado de uma maneira idealizada; corridas apaixonadas e close ups de rostos embasbacados fazem parte da equação. Adelaide é a personificação do amor. Ela se confunde em meio às flores que vende e suas roupas de cores quentes contrastam com todo o restante. Oreste é um operário e, como mencionei, não preza pela higiene. Ao longo da trama, Ettore Scola estabelece uma rima entre a mosca e o protagonista; não precisamos vê-lo para saber que entrou num determinado ambiente, o zumbido do inseto e os movimentos de câmera que emulam seu voo inconstante anunciam a presença de Oreste.
A princípio, o casal não faz sentido algum. A união é digna de uma comédia escrachada e, apesar de comprarmos a ideia, o fato da bela Adelaide se apaixonar pelo protagonista é, no mínimo, curioso. Ele, enfim, toma coragem e organiza o divórcio, abandonando a casa descolorida e sua esposa que, antes, não perde a oportunidade de espancar a mulher que roubou seu marido. Ao longo do filme, Adelaide vai algumas vezes ao pronto-socorro, o que, pela repetição, se transforma numa piada, a ponto dos médicos estranharem a sua ausência. A mudança no número de frames por segundo também eleva a comicidade, gerando uma imagem acelerada.
Scola sabe que seus personagens mentem e, ao enquadrá-los de frente para espelhos, encontra diferentes versões da verdade, como, por exemplo, no momento em que Oreste descreve a forma pacífica que sua esposa recebeu a notícia da separação – a montagem nos leva ao caos, brilhantemente pontuado. Adelaide finalmente tem aquilo que desejava e, por esse motivo, entra em desespero. Enquanto fala em suicídio e no medo de perdê-lo, ela se apaixona por outro rapaz, Nello, o pizzaiolo que lhe fez uma pizza em formato de coração.
O triângulo amoroso é estabelecido e ganha contornos mais interessantes quando descobrimos que Oreste e Nello eram parceiros políticos no partido comunista e que rapidamente se tornaram melhores amigos. Antes da trama se desenvolver, ou seja, de irmos ao passado, somos informados de que Adelaide morreu e que as peças do homicídio estão sendo juntadas em um julgamento. Sem a inventividade de Scola, descrita, em partes, acima, “A Drama Of Jealousy (and Other Things) seria apenas uma tragédia. A narrativa inventiva, com direito a rimas, sutilezas e tiradas satíricas, subverte o óbvio, trazendo o humor, não como um alívio ao desastre, mas como uma forma de analisar o amor por uma ótica refrescante e inteligente.
Se apaixonar, no fundo, é uma verdadeira tortura, um martírio que transforma amigos inseparáveis em seres obsessivos e vingativos. O desejo evidencia o animal que há no homem, a incapacidade de controlar instintos primitivos. Scola quebra a quarta parede à sua maneira, proporcionando boas risadas e deixando claro que todos têm uma versão particular dos fatos.
Os personagens não olham para a câmera apenas para conversar diretamente com o espectador, mas também para responder às perguntas do júri. Como assim? Simples, Nello está com Adelaide num quarto e, do nada, se vira para a câmera e se justifica. A conversa prossegue, já que o júri retruca e questiona.
Presente e passado; idealização e verdade se misturam numa narrativa deliciosamente farsesca. Ao mesmo tempo em que acompanhamos o desabrochar daquele triângulo amoroso, o julgamento acontece, numa orquestração digna de aplausos. Em outro momento, dois personagens conversam, não pelo telefone, mas pela câmera.
O trovão anuncia a dor e o remorso de Adelaide, que, ao ter tudo, percebe que não tem nada. Um longo flashback nos mostra o desenvolvimento desse segundo romance e, inegavelmente, nos coloca ao lado de Oreste. Ingenuamente, ele perdeu as únicas pessoas que amava. Antes da tragédia, o clima leve e descontraído, ressaltado, por exemplo, por um corte brilhante no qual um acidente automobilístico é associado a um carrinho bate-bate num parque de diversão, dita o ritmo. Nello fica entre o casal e, posteriormente, é Adelaide quem assume essa posição, sendo obrigada a escolher um dos dois.
Oreste é um homem tradicional, romântico, um tanto agressivo e paranoico – coitado de seu colega de trabalho, forçado a escutar as neuroses do protagonista. Nello é mais jovem, moderno e a satisfaz sexualmente. Eles até tentam uma espécie de relacionamento à três, que, obviamente, resulta numa briga. Exausta e ciente da impossibilidade de uma decisão, Adelaide se casa com um milionário. A peruca, a palidez, as roupas sem as habituais cores fortes e as jóias a transformam numa mulher plastificada, cuja infelicidade advém de sua facilidade de se apaixonar.
A casa luxuosa se assemelha a uma prisão, com direito a grades e espaços claustrofóbicos. Basta dizer que ela e Nello tentam cometer suicídio e que Oreste não só perde a sanidade, como assume de vez a condição de mendigo. O amor é uma droga de alto risco; o trio abusou dele e atingiu o fundo do poço. Mesmo com sua narrativa peculiar, eficiente também graças a uma movimentação de câmera ágil e sugestiva – muitas vezes, inclusive, manuseada na mão -, “A Drama Of Jealousy (and Other Things) tem a sua força motora na tragédia. Não falo sobre falta de valores ou imoralidade, mas de uma situação fadada ao fracasso. “Quero ser condenado à morte. É possível?”
Não à toa, o pano de fundo é uma Roma decadente, em plena crise política, pintada com tons frios e rodeada de lixo e ruas abandonadas. A trilha sonora e o passeio na praia podem até ser românticos, todavia, o lixo que povoa o local é autoexplicativo. O clímax, após tudo que assistimos, não poderia ser mais amargo e melancólico.
Essa junção de sentimentos se deve muito ao talento de Monica Vitti, Marcello Mastroianni e Giancarlo Giannini. Belíssima, Vitti é a escolha perfeita para interpretar uma mulher magnética e frágil. Mastroianni, por outro lado, estabelece, desde o início, trejeitos que fazem de Oreste um pobre coitado cujo ânimo é proporcional à sua depressão. Ele é quem melhor alinha as duas pontas que elevam “A Drama Of Jealousy (and Other Things) ao patamar de clássico. Sua interpretação foi, merecidamente, premiada no Festival de Cannes.