“Rushmore” é um raro filme sobre amadurecimento. O grande mérito do roteiro assinado por Owen Wilson e Wes Anderson é a caracterização dos personagens, que são, simultaneamente, peculiares e críveis. Uma mesma cena pode ser vista como uma grande piada ou um momento profundo. Superficialmente, é sobre pessoas que não deveriam andar juntas, porém, se analisarmos com cuidado, veremos que é um filme que trata seus personagens com generosidade e compreensão, sem nenhum tipo de julgamento.
Max Fischer quer ser notado. Ele participa de todos os grupos extracurriculares e sonha com aplausos. Sua roupa denota estranheza, assim como seus trejeitos e vocabulário rebuscado. O protagonista se sente sozinho, busca uma garota especial e encontra Mrs. Cross – professora de sua escola. Max tem um amigo, mas é Herman Blume – pai de dois garotos de sua sala – que chama a sua atenção. Suas escolhas não são nada óbvias e fazem jus à sua personalidade. O protagonista é sofisticado e imaturo. Suas investidas em Mrs. Cross, embora elaboradas, são fruto de uma imaginação juvenil que ainda enxerga a realidade por uma lente embaçada. Rushmore é mais que uma escola, é um estilo de vida, no qual Max vive suas fantasias ao máximo. Nada está acima disso, até que surge o amor e o toma inteiramente. Mrs. Cross vira o seu Rushmore. O final é presumível, o interessante é acompanhar o amadurecimento de um jovem que descobre um novo sentimento e não sabe muito bem como lidar com ele. Max passa por fases, se encanta, se desengana, chora, ri e percebe que errou. O protagonista vive em uma zona de conforto perigosa e é exatamente quando sai dela que as coisas começam a mudar.
“Rushmore” também é um filme sobre amizade. Herman é um homem decadente, melancólico e solitário que não ama mais a esposa e detesta os filhos. Sua feição é sempre idêntica, não há esperança em seu cotidiano e talvez seja isso que tenha chamado a atenção de Max. Em contrapartida, Herman vê no protagonista um jovem único, cujas qualidades são complexas e diferem das dos demais. São pessoas em estágios completamente diferentes da vida, que dividem um desejo similar: encontrar alguém. A fascinação de Max por Mrs. Cross a leva para Herman, que também acaba se apaixonando. Se até então tínhamos homens conversando e se entendendo, passamos a ter duas crianças brigando pelo coração de uma garota. As sequências são muito bem orquestradas e a montagem é essencial para criar um efeito “dominó”. Existe traição por parte de Herman? De uma forma objetiva sim, mas de outras não. Preso em uma vida monótona e deprimente, o personagem se depara com uma oportunidade. Na minha opinião, a falta de sensibilidade é apenas de Max, que, a princípio, não enxerga o óbvio e se machuca. Bill Murray está sensacional. Ele transmite uma diversidade de sentimentos através de sutilezas. Sua insegurança está na forma em que bate na porta de Mrs. Cross, a carência, nos passos calculados e a solidão, no olhar vazio. O ator ainda ratifica seu status de rei da comicidade em momentos dignos de gargalhadas.
Interpretada por Olivia Williams, Mrs. Cross é uma personagem interessantíssima que desperta corações sem a menor intenção e caminha por territórios quentes por desconhecimento. Ela considera Max um garoto especial e vê em Herman uma possibilidade. A verdade é que Mrs. Cross está presa ao passado, a uma perda irreparável. O amor se tornou uma lembrança, outros envolvimentos seriam paliativos – meros preenchedores de uma lacuna. A decoração de seu quarto nos mostra isso, sua dificuldade é notável. No entanto, quando o filme termina, sentimos que seu olhar mudou, já havendo uma ponta de otimismo.
Max nunca se apaixonou por ela. Antes de qualquer coisa, a paixão é uma idealização e Mrs. Cross nunca foi palpável, era apenas uma ideia de algo que poderia ser belo. Rushmore não era um retrato da realidade, mas uma bolha que o privou de contatos fundamentais e de uma visão mais clara do universo. As cores vivas desaparecem até mesmo de seu figurino – por pouco tempo. Max se isola, tenta se entender, passa mais tempo com o pai, que era motivo de vergonha por sua profissão, e percebe que, no contexto da sua singularidade, existia um ser imaturo e insensível. Sua relação com Margaret é fundamental para o arco e o desfecho do protagonista. Sua ambição se concentra apenas em realizações fundamentais e notamos que, além de melhores, seus esforços parecem mais genuínos.
Não poderia deixar de falar sobre a impecável interpretação do estreante Jason Schwartzman. Ele demonstra um controle impecável, equilibrando as peculiaridades do personagem com a sua humanidade. É um trabalho absolutamente maravilhoso, desde a entonação, a forma de se portar e os pequenos trejeitos.
Falando sobre Wes Anderson, diria que muitas de suas marcas registradas estão aqui. A movimentação de câmera é bem expressiva, destaque para os travellings laterais estilosos, que revelam a presença dos personagens e os planos-detalhe. Os enquadramentos milimétricos acompanham a montagem ágil, que é fundamental para a fluidez da trama e para o timing cômico. A sequência que apresenta os grupos de que Max faz parte é o tipo de coisa que somente Wes Anderson faz. A fotografia acinzentada, além de refletir o momento na vida dos personagens, cria um contraste interessante com a direção de arte que aposta em cores fortes, sendo as principais o azul, que denota a vontade que Max tem de ser notado e o vermelho, representando o seu amor. Os figurinos seguem a mesma proposta. A trilha sonora, assim como na maioria dos filmes do diretor, é delicada e as canções escolhidas por ele são sensacionais. A estrutura capitular também é bastante peculiar, valendo destacar as cortinas que se abrem e se fecham como em um grande espetáculo.
Logo em seu segundo filme, Wes Anderson realizou uma obra prima.
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