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Baseado na juventude do próprio diretor Barry Levinson, “Diner” acompanha seus personagens atentamente, fugindo do conceito natural de trama. 

Eles têm vinte e poucos anos, são melhores amigos, transitam por Baltimore como se fossem os donos das ruas e vivem o chamado período de transição. 

Shrevie trabalha numa loja de aparelhos televisivos e é casado com Beth, com quem admite não conseguir conversar por cinco minutos. Antes, era tudo sobre sexo, a excitação pelo proibido… agora ele acorda ao seu lado todos os dias. 

Shrevie é bastante rigoroso em relação a sua coleção de vinis e quando sua esposa coloca James Brown na seção de Rock, em vez da de R & B, ele fica enfurecido. Beth se sente culpada, o plano-detalhe de suas unhas sendo pintadas ressaltam a sua vontade de ser elogiada e observada, no entanto, sua vida se transformou num rotineiro jogo de palavras cruzadas. 

Eddie é o segundo na fila, todavia, só colocará a aliança no dedo se sua noiva passar numa prova elaborada pelo próprio sobre futebol americano. Soa mais como uma desculpa para cancelar o casamento do que qualquer outra coisa e, no fundo, é exatamente isso. Basta dizer que, em nenhum momento, vemos o rosto de Elyse. “Parece a hora certa e tal. Pelo menos ela não é uma manipuladora”.

A todo instante, Eddie tenta se convencer de que está fazendo a coisa certa e sua conversa com Shrevie apenas ratifica que nenhum dos dois sabe o que está fazendo. Eles ainda têm uma visão muito limitada acerca das mulheres e nunca experimentaram algo além de sexo – alguns nem isso. As convenções sociais devem ser seguidas a qualquer custo, a checklist tem que ser preenchida, mesmo que não signifique nada.

Esses jovens, com empregos e responsabilidades adultas, apostam se um amigo conseguirá transar com seu par no primeiro encontro. Sim, essa é a versão mais honesta deles, o que não é uma crítica.

Boogie, o mais vaidoso, tem uma retórica cuidadosa, trabalha num salão de beleza e cursa direito, mas se vê entupido de dívidas, cobradas constantemente por agiotas. Ele pinta uma certa imagem própria, no entanto, é capaz de colocar o pênis num balde de pipoca para ganhar uma aposta. 

Fenwick é o mais perturbado e imprevisível. O filme, inclusive, começa com Boogie dando uma bronca no amigo, que precisa ser contido. O início do fim da juventude assusta Fenwick, que começa a beber de manhã por pura ansiedade. Ele sente um vazio insuportável, sente que a melhor época de sua vida está acabando e não admite isso. Fenwick abandonou a faculdade, decidiu não participar dos negócios da família e é mal visto pelo irmão, por quem nutre um ódio palpável.

Billy está de volta à Baltimore a fim de prestigiar Eddie e reencontrar o grupo, mas deve voltar logo para finalizar seu mestrado em finanças. O único que abandonou a cidade natal é o que parece mais maduro e seguro de si. Por um lado, sim, Billy não pensa apenas em sexo, gosta de conversar com as garotas, principalmente com Barbara, por quem alimentou uma paixão platônica por anos. Eles passaram uma noite juntos e agora ela está grávida, porém não quer o bebê, não quer casar por conveniência e não sabe se o ama. Em contrapartida, Billy não tem dúvidas em relação aos próprios sentimentos, só não sabe muito bem como demonstrá-los – as brigas que provoca tem um caráter de descarrego. 

Por último, temos Modell, uma figura singular que, em vez de pedir uma carona ou um pedaço do sanduíche de Eddie, fica dando voltas.

O roteiro é extremamente sensível, vai na contramão das convenções sociais e entende que, se existe algum momento para agir dessa forma e alimentar tais dúvidas, é agora. Levinson sabe que o amadurecimento é um fenômeno individual, cada ser humano carrega particularidades e certas coisas podem demorar a fazer sentido, o que é plenamente compreensível.

“Muito maduro, Fenwick”, diz Beth para o rapaz, que responde: “Que se dane o maduro!”
O principal é que, em meio a uma fase transitória, de admitir e negar responsabilidades, esses personagens estão sempre juntos, seja em conversas sérias, seja em diálogos casuais, como, por exemplo, aquele em que Modell e Eddie discutem quem é melhor: Mathis ou Sinatra?

Eles ainda podem chegar em casa às seis da manhã e acordar à tarde. Eles ainda podem cometer erros juvenis. Eles ainda podem falar sobre garotas como se tivessem dezesseis anos. A maturidade, o amor e a estabilidade vem com o tempo, com o esforço; a amizade e o companheirismo vistos aqui, não. As interações e a intimidade entre os seis amigos são hipnotizantes, partem de pessoas que não têm medo de passar vergonha, que se abrem sem concessões e que respeitam as diferenças alheias. 

O Diner, onde eles passam todas as madrugadas, é a representação de laços que jamais se partirão. O Diner é a empatia, a diversão, os dilemas, as bobagens e a parceria. O Diner não é somente um espaço físico, é o que torna a vida daqueles jovens algo extraordinário.
Nós queremos o Diner, queremos esse tipo de amizade. Se existe algo raro e especial na vida, é o que presenciamos nesse filme e Levinson merece elogios por dar espaço aos personagens, conferir complexidade a todos e formar um núcleo inegavelmente sólido. 

Se tratando de uma obra situacional, que acompanha os passos de seus personagens, é claro que há uma série de cenas marcantes. Por acaso, as duas que separei envolvem Billy e Eddie. Na primeira, eles vão ao cinema e não percebem que entraram na sessão de “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman. 

-O que eu estou assistindo?
-É simbólico.
-Quem é esse cara?
-É a morte andando pela praia.

A outra é um fascinante retrato de dois amigos num bar, embriagados. Billy reclama do ritmo dos músicos, então decide subir no palco e tocar piano. Ele surpreende a todos, inclusive Eddie, que dança alucinadamente. 

Em seu primeiro trabalho, Levinson já se mostrava um cineasta talentoso. Os destaques, obviamente, são o elenco e o roteiro, todavia, as sutilezas concebidas pelo estreante são louváveis. Em um plano conjunto, vemos Billy e Barbara conversando, e uma televisão. As falas se confundem e um paralelo é confeccionado.

A fotografia em tons frios e a direção de arte, com os carros típicos, o cinema da época e, claro, o Diner, trazem uma nostalgia deliciosa ao filme, que depende de um alto nível de autenticidade, afinal, se passa na década de cinquenta. 

O elenco marcou uma época e todos cumprem seus papéis com maestria, além de apresentarem uma química impressionante. Mickey Rourke, Kevin Bacon, Daniel Stern, Steve Guttenberg…
No fim, às suas maneiras, cada um parece mais centrado e maduro, não de uma forma impositiva, mas porque os conhecemos o suficiente para notar pequenas mudanças.

Eu provavelmente já disse essa frase… pois bem, agora é para valer: ”Diner” é a melhor estreia da história do cinema.

 

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