Nove anos se passaram e agora, com quarenta e um anos, Jesse e Celine estão casados, pais de gêmeas.
As férias na Grécia com os amigos foram ótimas, mas chegou a hora do protagonista se despedir de Hank, seu filho do primeiro casamento. Até quando o silêncio é confortável, Jesse tenta dizer algo, puxar um assunto com seu primogênito, que está à beira do ensino médio. Ele se sente culpado, raramente está presente e esses “até logo” o ferem violentamente, pois, além dos longos meses que separam os reencontros, sabe que em Chicago há uma mulher que o detesta e que possivelmente enche a cabeça de Hank com rancor.
“Before Sunrise” e “Before Sunset” apresentavam diálogos praticamente entre “estranhos”, logo, apesar do realismo, havia um certo encantamento, principalmente no primeiro. A idade traz maturidade, uma família e escancara o cotidiano. O primeiro grande acerto de Linklater é não tratar adultos como seres moribundos e óbvios. Jesse e Celine brincam e divagam sobre sexo com uma intimidade ainda maior. Em um longo plano, entendemos tudo o que aconteceu entre os dois nesses nove anos. Discussões e risos surgem naturalmente, sem ressentimentos e a sensação que temos é de que sozinhos, os protagonistas estariam completamente perdidos. Eles não têm dúvidas de que são pais falhos e admitem estarem sempre aprendendo.
No último almoço com os amigos, o que mais chama a atenção é a disposição da mesa, preenchida por jovens e idosos. O início fervoroso e romântico fica de um lado, enquanto, do outro, a dor do tempo, da perda e o prazer da experiência. O homem na cabeceira diz algo importante: “o amor pela vida é o mais importante”.
Jesse escreveu outros dois livros baseados em sua vivência com Celine, que é tida por todos como o segredo para o seu sucesso. A ideia de que o matrimônio transforma duas pessoas em uma é um absurdo. Ninguém perde suas individualidades, a questão é encontrar um balanço entre o micro e o macro. As filhas do casal brincam na praia e Jesse está ali, cuidando e observando suas meninas, no entanto, não deixa de pensar em Hank por um segundo.
O casal anda pela bela Grécia como nos filmes anteriores. A diferença está nas falas, na maturidade e na intimidade que o convívio diário estabelece. Tudo gira em torno das gêmeas? Sim. As conversas se tornaram mais objetivas, voltadas a refeições, empregos e horários? Sim. Isso os incomoda? O jovem dentro deles solta algumas ideias vazias, porém, no fundo, têm noção do estágio da vida em que se encontram. Celine e Jesse não tinham um tempo a sós há anos e é fascinante notar a contradição que cerca o casal. O jeito de andar, a honestidade dos diálogos, a cumplicidade, o sarcasmo e a “sacanagem sadia” são os mesmos. Em contrapartida, inseguranças em relação ao corpo e a beleza e o medo da morte se tornam mais evidentes. Sozinhos, seriam um mar de dúvidas e neuroses. Através de Celine e Jesse, Linklater expõe a importância do companheirismo e ressalta que doçura e espontaneidade não se esvaem com os anos.
O cineasta rompe com a noção de amor romântico estabelecida nos filmes anteriores, partindo para uma direção realista e pungente. As filhas, os detalhes cotidianos e o convívio são especiais, todavia, também obrigam as pessoas a tomarem escolhas, em diversas situações, se colocando em segundo plano.
A nudez explícita é fundamental, sacramenta a nova abordagem do diretor. O sexo aqui é entre adultos que se conhecem, não entre jovens idealizadores.
Linklater compreende a natureza humana como ninguém, sabe que as principais discussões partem de pequenos comentários, capazes de suscitar reflexões e brigas grandiosas. O afeto e a ofensa caminham organicamente. Chega a ser estranho assistir àquela sequência no hotel, como se estivéssemos invadindo a privacidade de um casal em crise existencial.
O matrimônio pode ser uma verdadeira caixa de rancor e acredito que nenhum outro filme explore o termo “lavar roupa suja” com tanto vigor e honestidade. Reclamações justas são acompanhadas de absurdos e está tudo bem, este é o momento de se abrir. Celine gosta do embate, a raiva é gradual, está em seu rosto e parece não ter fim. Jesse, por outro lado, é o apaziguador, entretanto, é quem solta “comentários despretensiosos” que inflamam o caos. A cumplicidade dos protagonistas é tanta, que até as emoções são igualmente compartilhadas. Felizes juntos, ferrados juntos.
O aprendizado é eterno, não apenas sobre o outro, mas sobre si mesmo, o que talvez soe apavorante.
A verdade é que Celine e Jesse se amam e têm uma incrível facilidade para contornar crises. Após dezoito anos, o que ele pode dizer a ela é que isso é o que o têm, esse é o amor verdadeiro, não é perfeito, mas é real. Essa frase fecha lindamente a trilogia e o arco de personagens que nos ensinaram tanto.
Richard Linklater não muda a sua abordagem narrativa, mas acrescenta belos planos gerais das paisagens gregas e contempla a pureza das crianças, ao mesmo tempo em que revela as dúvidas de um adulto. A admiração de coisas e situações menores surge com a idade e “Before Midnight” é imensamente empático com os seus protagonistas. Os longos planos são a marca de Linklater, que confere uma invejável fluidez aos três filmes.
Ethan Hawke e Julie Delpy oferecem, novamente, performances extraordinárias. É impressionante como eles encarnaram esses personagens durante dezoito anos, mantendo-se fiéis aos maneirismos e trejeitos iniciais. A rouquidão de Hawke é um sintoma do tempo, assim como os quilinhos a mais de Delpy, o que não os tornam menos interessantes ou atraentes, pelo contrário. Cada capítulo é perfeitamente “encenado” pelos atores, que formam a dupla com a maior química da história do cinema.
A última cena é lindíssima e “Before Midnight” é uma obra prima.