“Yankee Doodle Dandy” é considerado um dos filmes mais ufanistas já realizados. As pessoas, às vezes, se esquecem de dizer que é também um dos melhores filmes da época de ouro hollywoodiana. Eu não conhecia George M. Cohan, então não posso julgar a veracidade dos fatos narrados. No entanto, afirmo, sem receio, que poucas obras são tão belas em seus princípios e em sua declaração apaixonada a uma arte específica, no caso, o teatro.
Após a apresentação de uma peça na qual interpreta uma caricatura do Presidente Roosevelt, o protagonista é convidado para uma reunião na Casa Branca. Chegando lá, receoso, George acaba contando a história de sua vida. Seus pais eram atores do teatro vaudeville e, assim que seus filhos atingiram uma idade suficiente para dançar, passaram a ser chamados de “Os Quatro Cohans”. Desde pequeno, George demonstrava carisma e ambição para se tornar uma estrela. “Só aos 6,7 anos percebi que o 4 de Julho não era pelo meu aniversário”. Metido, o protagonista não admitia contratos pequenos e se intrometia nas conversas com produtores, atrapalhando os negócios da família.
Dez anos se passam e George, considerado um “garoto problema”, segue na lista negra dos “manda chuvas”. A presença de Mary, uma aspirante a dançarina, é fundamental no seu amadurecimento. Ela é doce, sensível e meiga; ele é sarcástico, agitado e confiante. Ignorado pela maioria, o protagonista aproveita uma oportunidade, se antecipa e dá início a uma parceria icônica com Sam Harris, outro pobre coitado que tentava vender ideias aos produtores.
Daí em diante, George se transforma num sucesso de público e crítica, o que fica nítido pelo excelente trabalho de direção de arte, que abraça a ideia do “espetáculo” e acompanha o arco do “biografado”, oferecendo cenários cada vez mais grandiosos. No seu encontro com Fay Templeton, a principal estrela dos musicais, temos o primeiro contato com a nova realidade de George. Os espelhos, as joias e o vestido são marcas do luxo excessivo, no entanto, diferentemente de seus colegas, o protagonista nunca se afastou de seus alicerces. Ele poderia deixar a família vagando pelos Estados Unidos atrás de oportunidades, mas não, faz questão de inserir “Os Quatro Cohans” nas peças. Sua emoção quando recebe a notícia do noivado de Josie, sua irmã, e a carta de aniversário que escreve para o pai são provas concretas de um sujeito que não perdeu a essência, reconhece os valores primordiais e é grato àqueles que sempre o acolheram. O plano em que os três, dispostos a abandonar os palcos, se sentam no mesmo sofá, de frente para George, impressiona pela delicadeza, funcionando, simultaneamente, como uma despedida e uma breve admiração.
Igualmente tocante, é a relação com Mary, sua esposa. Em determinado momento, ele é obrigado a ceder uma canção dedicada à amada para Templeton. Temendo uma possível crise, George chega em casa com as mãos cheias de presentes. Ao ser informada, Mary, num tom descontraído e compreensivo, diz: “Eu sei. Eu soube assim que chegou com os doces e as flores”. No espetáculo em que a tal canção é apresentada, ela apenas reafirma o que já sabíamos: “Tudo bem. Fay tem a música, mas tenho o autor”. O protagonista nasceu para ser um grande artista, porém, foi graças a Mary que ele se tornou um grande homem.
George produz, compõe, roteiriza e protagoniza suas peças, que combinam patriotismo, elegância e humor. “Sou um homem comum que caras comuns gostam de ver”. Suas palavras ecoam nas multidões e vão parar em marchas militares.
Repentinamente, a Broadway, o sonho de um rapaz audacioso, era pequena demais para o protagonista. Todos os letreiros luminosos são seus e não é nenhum crime se estabelecer em um único gênero – sua tentativa de realizar um drama é um fracasso. Outro ponto a ser destacado é a amizade entre George e Sam, que, ao entrarem em um acordo pelo fim da parceria, não guardam rancor, somente boas lembranças.
No fim, a sensação que tive foi de embaraço por nunca ter escutado o nome do biografado. Eis aqui, um dos raros casos em que a arte transcende os palcos e o artista assume o posto de patrimônio nacional, um verdadeiro símbolo americano. E as sequências musicais? Eu estava curioso para ver James Cagney sapateando e confesso que as expectativas foram superadas. Ele canta como se estivesse proclamando algo e seu jeito de dançar é inimitável – saltos, giros e passos casuais. Cagney, que foi premiado pela Academia por essa performance, também apresenta um timing cômico infalível e é brilhante nas cenas dramáticas, como, por exemplo, aquela na qual se despede do pai.
Ágil e afetuoso, “Yankee Doodle Dandy” é uma obra prima.