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Após o ambicioso roubo do trem não sair exatamente como o previsto, Cody Jarrett, líder da gangue que carrega seu sobrenome, percebe que a única chance de sair “ileso” é se entregando por um crime menor, cometido por um parceiro seu. Ao longo da história do cinema, fomos introduzidos a gângsteres da pior estirpe e não tenho dúvidas de que Cody Jarrett está entre os mais psicóticos e insanos – uma lista que não o cite não pode ser levada a sério. Seus colegas de crime o temem; conhecem sua imprevisibilidade e fazem o possível para agradá-lo. Ele é casado com Verna, mas confia apenas em sua mãe, com quem mantém uma relação de devoção absoluta. O medo corrói aqueles que cruzam o caminho de Jarrett; no fundo, até seus aliados gostariam que alguém o eliminasse. O departamento policial, mais esperto do que o habitual, entende a estratégia do criminoso e, a fim de extrair algo do protagonista, decide disfarçar Hank Fallon, um de seus agentes, alocando-o, como um suposto detento, na mesma cela de Jarrett.

Fallon, agora conhecido como Vic Pardo, enfrenta a tensão de estar no território inimigo. Quando ele avista um homem que havia prendido, seu rosto indica a sensação de desespero, obrigando-o a tomar uma atitude extrema. Walsh não precisa de muito para evidenciar a condição do policial infiltrado: o simples fato de estar numa cela pequena, com três bandidos, é suficiente para captarmos o cuidado que Pardo precisa tomar. Quando a mãe finalmente visita Jarrett, Walsh, a partir de planos e contraplanos que colocam ambos atrás de grades, sintetiza aquela relação: um está preso ao outro, não importa o que aconteça. Em um armazém lotado, o cineasta foca na ação minuciosa, destacando a ordem de Ed, colega do protagonista que deseja destroná-lo, e a atenção de Pardo, que demora a conquistar a confiança de seu alvo. Jarrett, naturalmente expressivo, dá um leve toque em seu pescoço – a sutileza atrai aliados.

Preocupado com a mãe, Jarrett, que, antes, enxergava no encarceramento um isolamento benéfico, planeja uma fuga. O plano fechado e os sussurros reforçam a parceria conquistada por Pardo. O protagonista, por mais insano que seja, nunca age impensadamente. Ao receber a notícia de que sua mãe foi assassinada, vemos uma criança descontrolada; um animal atormentado pelos piores sentimentos possíveis. A camisa de força remete ao destino de seu pai, que morreu num manicômio. A essa altura, sabemos que ele tem algo em mente e, numa das sequências mais elaboradas do filme, a fuga é finalmente executada. A pequena sala, os cortes que ressaltam a inferioridade numérica, a trilha sonora que suscita tensão e o plano-detalhe da arma são marcas de um diretor que prepara o terreno como poucos. Pardo arquitetou algo suave; algo orquestrado com o departamento. A partir daí, o policial entra numa zona ainda mais delicada, sendo exigido a elevar o seu nível de performance. O desconforto, por vezes, é notável. Em uma reunião, Walsh o posiciona ao fundo – e seu figurino é consideravelmente diferente dos demais. O primeiro objetivo é executar Ed, o assassino de sua mãe. “White Heat” nos introduz a um universo sombrio, dominado por covardia, crueldade e medo. Pessoas de bom caráter são como pequenos oásis no mais infindável deserto; estamos lidando com o que há de pior na sociedade e, mesmo assim, não podemos negar nossa fixação por tudo que acontece em tela.

Verna, esposa de Jarrett e amante de Ed, é uma mulher desprezível, do tipo que se escora em quem está por cima e que é incapaz de notar a própria estupidez – seu deslumbramento seria cômico se não fosse irritante. Pardo se coloca em situações delicadas, mas dá um jeito de escapar delas. Os elementos complicadores são bem inseridos, sendo, o definitivo, o retorno de Bo, o tal homem que ele havia prendido. Enquanto isso, a polícia, atenta aos passos do agente infiltrado, se aproxima da gangue. A composição de James Cagney é tão intoxicante, que, em determinado momento, sentimos pena de seu personagem, uma criatura terrível. A solidão de um sujeito que perdeu a única pessoa que o amava e o passado trágico de seu pai o deslocam do patamar simplista de “gângster impiedoso”, colocando-o na posição de pessoa cuja humanidade foi, aos poucos, corroída. Há um mínimo rastro de bondade lá, visto na forma como ele trata Pardo, quase como um irmão caçula que não merece a desconfiança de ninguém.

O desfecho, iniciado com uma montagem paralela que alimenta a tensão, salientando a proximidade dos policiais, termina com uma catarse que faz jus ao temperamento explosivo de Jarrett. Sozinho no mundo, ele aceita seu destino. “Eu consegui, mãe! Estou no topo do mundo!”

“White Heat” é uma obra prima do mais alto calibre.

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