Perceber, no fim de um filme, que você começou a entender e a respeitar mais os personagens centrais é sempre um bom sinal. Em sua estreia na direção, Jesse Eisenberg provou ser um excelente contador de histórias e um profundo conhecedor das angústias humanas.
“When You Finish Saving The World” gira em torno da relação entre uma mãe e um filho. Ziggy transmite uma live para o mundo inteiro na qual canta músicas de sua autoria. Sempre que se apresenta a alguém, Ziggy, num gesto que denota insegurança, faz questão de falar sobre os milhares de seguidores e o dinheiro que fatura. Ele gosta de Lila, uma colega que serve de estereótipo da jovem politizada e progressista. Ziggy diz concordar com ela, mas sua capacidade argumentativa é similar a de uma criança. Suas músicas são sobre seus amigos; partem de um lugar honesto e real. Há uma espécie de show de talentos para adolescentes pretensiosos que, sinceramente, me causou repetidas ânsias de vômito. Ziggy não se encaixa naquele lugar e a sua insistência em vestir uma máscara o transforma numa figura (quase) insuportável.
Evelyn trabalha num abrigo para mulheres que foram violentadas. Ela convida o filho para ajudá-la, mas ele está ocupado compondo novas canções para seus fãs. Evelyn, engajada em causas sociais, olha para Ziggy e enxerga um estranho; alguém que vive na sua casa e que tem esquecido de pagar o aluguel. Kyle, filho de Angie, recém chegada no abrigo, é um garoto sensível e prestativo. Seu interesse em ajudar leva Evelyn a projetar suas próprias ambições no pobre coitado que, apesar de se sentir lisonjeado, deseja trilhar um caminho pessoal. Encantada por Kyle, a protagonista passa a tratá-lo como o filho que nunca teve, convidando-o para jantar e rindo, pela primeira vez, de forma genuína. No primeiro contato que tem com Angie e Kyle, Evelyn fica desconcertada com o carinho que um nutre pelo outro – trata-se de uma novidade.
As únicas interações entre Ziggy e Evelyn são agressivas. Mesmo quando iniciam com boas intenções, descambam para o desentendimento. Por mais conflituosa que a relação seja, os dois dividem algumas similaridades: estão constantemente ocupados consigo mesmos, sendo incapazes de prestigiar o pai/marido em uma cerimônia importante. Ambos são frios e ríspidos, a não ser com pessoas que realmente as interessam; nesse caso, eles passam do ponto, tornando-se sufocantes. Sim, Ziggy é incapaz de ouvir e de sair de seu “mundinho” virtual; e, sim, Evelyn é pouca cuidadosa e sabe como provocá-lo. Por boa parte do filme, eu fiquei assustado com o desprezo que estava sentindo por aqueles personagens, quando, de repente, tive um “insight”. Eles não se respeitam ou se admiram porque não se conhecem. Evelyn nunca fez um esforço para pesquisar o canal no YouTube do filho, nem pediu para ele tocar uma de suas músicas. Ziggy, ainda ingênuo, raso e “malinha”, ainda não entendeu que não precisa impressionar os outros com discursos fajutos. Sua arte está lá e, goste-se dela ou não, ela parte de seu coração. Seu foco principal é ganhar dinheiro? Tudo bem, não há nada de errado em “trair” os progressistas de plantão. Ziggy não visita sua mãe, não se atenta às suas conquistas e deixou para trás a infância repleta de intimidade. O roteiro de Eisenberg visa a comunhão de personalidades distintas e a atenção às nuances que nos individualizam. Evelyn tem somente um filho e a única chance das coisas melhorarem é entrando em contato com sua realidade – o mesmo vale para ZIggy. É justamente por isso, que o desfecho, singelo e perspicaz, é tão impactante.
Eisenberg, ao lado do diretor de arte e de fotografia, faz questão de colocar Evelyn em ambientes frios, salientando sua natureza difícil e cerebral. A montagem, a partir de cortes abruptos em situações relevantes, estabelece uma rima que percorre boa parte da narrativa. Eisenberg é dono de um senso de humor sofisticado. A caminho do trabalho, Evelyn escuta uma música clássica imponente, com fortes ecos dramáticos. Ao cortar e abrir o quadro, somos apresentados ao veículo, cujo tamanho se assemelha ao de uma lata de sardinha – contrastes inesperados e bem vindos.
Julianne Moore está excelente no papel da mãe um tanto intransponível e tão presa a si, que não consegue olhar o óbvio. Seu rosto é um mar de emoções complexas e não deixa de ser destacado por Eisenberg.
“When You Finish Saving The World” fez um certo barulho em sua estreia, no Festival de Sundance, mas merece um reconhecimento maior.