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“Achávamos que mudaríamos o mundo, mas foi ele que nos fez mudar”.

“We All Loved Each Other So Much” narra a trajetória de três amigos ao longo de trinta anos, iniciando na Segunda Guerra Mundial, onde se conheceram e lutaram contra os nazistas. Ettore Scola pontua certos acontecimentos e foge do conceito habitual de trama.

Os jovens idealizam, sonham e cultivam suas personalidades sem maiores restrições. A fase em que tudo importa é registrada por Scola de forma pessoal. Se engana quem pensa que a fotografia em preto e branco está associada a uma conotação pessimista, sendo, na verdade, um símbolo de nostalgia; de um tempo que o cineasta não enxerga mais, quando a sua base cinéfila foi formada. Em contrapartida, as cores surgem, justamente, na “maturidade”; a época do pragmatismo, da aceitação e do afastamento de si mesmo.

Antonio é um enfermeiro e logo se apaixona por Luciana, uma aspirante à atriz. Ele não é culto, não entende o conceito de uma peça teatral, mas é sensível e carinhoso com aqueles que ama. Assim que assume o namoro com Luciana, conta a novidade para Gianni, seu melhor amigo, que também se apaixona pela moça na primeira troca de olhares. Se o teatro compõe a trama de alguma forma, Scola faz questão de inserir alguns de seus aspectos à narrativa. Antonio tem dificuldades para se declarar, então, como nas peças, diz a amada o que sente quando ela “não está escutando”. No jantar, o universo para e o foco de luz se limita a Gianni e Luciana, que admitem seus sentimentos e o caráter delicado da situação. “Vencerá a amizade ou o amor? Escolheremos ser honestos ou felizes?”

Acostumados a discutirem política e as injustiças do mundo moderno, os amigos percebem que a maior dor é a amorosa. A taquicardia, potencializada pelo design de som, é o prenúncio do fim de algo belo. Antonio até gostaria de esquecer aquilo e seguir adiante, como se nada tivesse acontecido, todavia, sabe que, caso optasse pela saída fácil, estaria cavando a própria cova. “Ele lamenta, ela lamenta… e eu?” “Estou farto de ser bom e generoso”. Aqui, ele revela uma faceta que o acompanhará durante as décadas: o pavio curto, a predileção pela agressão física.

Enquanto isso, Nicola, o terceiro integrante do grupo, se dedica a estudar e destacar a importância do cinema italiano, segundo ele, o único fenômeno de verdadeira revolução cultural. Suas convicções, ideologias e seu destempero o afastam de contatos importantes e também de sua família. Quando Nicola escreve uma carta pedindo desculpas para a esposa, a luz se acende e ela, em primeiro plano, responde, no mesmo espaço que ele, ainda que estejam em cidades diferentes. Scola dá frescor ao filme, suas escolhas não são avulsas, conversam com a jovialidade dos personagens e com a metalinguagem inerente ao texto.

Nicola é o tipo do sujeito que acredita que a dignidade é mais importante que o sustento, o que, obviamente, o leva a atitudes impensadas. Ele não tem dúvidas em relação a sua vocação e, se for preciso, deixará a família de lado por um “breve período”.

Nicola passa uma temporada em Roma e conhece Luciana, que também mexe com o seu coração. A relação entre os dois dura menos, mas é igualmente intensa, proporcionando, sem dúvida alguma, os momentos mais leves e descompromissados de sua vida. Luciana deve esconder algum tipo de encantamento, afinal, não é normal chamar a atenção de homens tão próximos e diferentes. Não, ela é só uma jovem perdida, melancólica, solitária e com aspirações de difícil concretização.

Gianni, que é advogado, se torna um conselheiro pessoal do Marquês de Roma, abandonando, gradativamente, seus princípios socialistas e democratas. A princípio, o protagonista não se sente à vontade ali, no entanto, ao passar dos anos, a cada ocasião que presenciamos, ele parece mais integrado, a ponto de tomar as rédeas dos negócios da família e se casar com a filha do Marquês. As sombras, que marcavam Gianni no início e, posteriormente, os tons frios, são a tônica de sua existência banal, resumida ao poder absoluto.

Ele era o romântico, o galã que se apaixonava com uma única troca de olhares e se transformou num fantasma incapaz de se relacionar com as filhas e com a esposa, cujo esforço para se educar e satisfazê-lo é digno de pena. Gianni não liga se Elide o traiu, se pensa em traí-lo ou se está apaixonada por outro homem, contanto que a imagem e os negócios permaneçam intactos. Seu roupão vermelho é a marca de um magnata ganancioso.

Adivinhem qual o livro que ele indica para a esposa? Os Três Mosqueteiros…

Antonio continua com suas curtas relações amorosas, sempre esbarrando em Luciana, que o deixa bobo, como se todos os problemas sumissem por um instante. Ao longo dos anos, ele tem diversas chances de se declarar e de tentar, ao menos, uma felicidade, já que no âmbito profissional nada mudou. A verdade é que Antonio não está interessado numa carreira, apenas no amor, na chance de constituir uma família ao lado da única mulher que amou.

Na sua grande oportunidade de se estabelecer enquanto estudioso da sétima arte e bom marido, num quiz televisivo, Nicola trai sua própria ideologia por pura insegurança, por medo dos outros pensarem que ele não é tão brilhante assim.

Luciana continua tentando encontrar espaço no meio artístico, todavia, por ingenuidade – e talvez por falta de talento -, cai nas mãos de um agente pouco ético. No momento mais engraçado do filme, Scola recria o set de “La Dolce Vita”, na famosa cena da Fontana di Trevi, com direito a participações de Marcello Mastroianni e do próprio Federico Fellini, que ri ao ser confundido com Roberto Rossellini – uma alfinetada de Scola nos homens de alta patente.

O máximo que Luciana atinge é ser lanterninha em um pequeno cinema. Os diálogos no filme em questão são substituídos pelos idealizados por Antonio, que a acompanha. Deslumbrante no início, a cada nova aparição, ela parece mais sugada e desesperançosa – as olheiras não mentem. Nicola perde a convicção natural à sua personalidade, assumindo uma velhice prematura e uma melancolia referente aos seus fracassos pessoais e profissionais.

Vinte e cinco anos depois, por circunstâncias fortuitas, o trio se reencontra no restaurante das boas recordações. Diferentemente de Gianni, Nicola e Antonio preservaram suas almas. Claro, as desilusões formam cicatrizes e mágoas, todavia, nos risos e em alguns trejeitos, vislumbramos aqueles jovens da década de quarenta. Até mesmo Gianni, fora do castelo, faz um esforço para relembrar que, um dia, foi amado e admirado. Um dos principais méritos do roteiro de Scola está na apreciação de sutilezas, como, por exemplo, o toque do protagonista na careca de Antonio.

No fim, evitando maiores revelações, fica nítido que aquele não foi o recomeço, mas uma ocasião especial entre pessoas que não se conhecem mais, que vivem em realidades opostas e que não se interessam por suas novas versões.

Ettore Scola, com sua abordagem dinâmica e prazerosa, marcada por zooms, câmera na mão, movimentação ágil, uma montagem que caminha perfeitamente entre os anos e os personagens, a constante quebra da quarta parede e o uso de Freeze Frame para ligar a primeira à última cena, confecciona um painel sobre a transição da juventude para a idade adulta. O plano em que o ocorre a mudança na fotografia é espetacular. Os personagens, posicionados em cantos diferentes, formam um triângulo e caminham em direções opostas. Dificilmente nos mantemos fiéis a nós mesmos; dificilmente enxergamos o que realmente importa; dificilmente evitamos decepções; dificilmente vencemos a batalha contra o tempo.

O elenco é incrível, porém, Vittorio Gassman, com seu arco dilacerante, acaba sendo o maior destaque.

“We All Loved Each Other So Much” é um monumento do cinema italiano. Uma obra prima inigualável.

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