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Roberto é um homem solitário e mal-humorado. Sua casa é uma extensão da loja de ferramentas que administra. Ele não precisa sair dali e não faz esforço algum para estabelecer qualquer tipo de contato humano. Os cortes secos enfatizam o pragmatismo e o vazio de seu cotidiano. “Para mim, é muito difícil lidar com certas coisas, sabe?” diz ele para Mari, que responde: “Eu sei. Por isso você não dá uma chance para mim”. Roberto esconde traumas que ainda o assombram e o transformaram num sujeito que não acredita na beleza mundana. A direção de arte acerta ao dar um aspecto inexpressivo aos seus ambientes e ao colocar uma espécie de altar para sua mãe, que morreu no parto. Roberto coleciona histórias absurdas publicadas em jornais, afinal, acredita que a vida é um grande absurdo.

Este homem, um ermitão moderno, se depara com Jun, um chinês largado na rua, e decide ajudá-lo. Um detalhe: o chinês fala somente sua língua de origem. Por um lado, o silêncio habitual é mantido em sua casa; por outro, a impossibilidade da comunicação enlouquece o protagonista, que não consegue solucionar o mistério do rapaz, nem faz ideia de quem ele seja. Impaciente por natureza, Roberto é obrigado a enfrentar as burocracias da embaixada e da polícia local, além de tentar respostas na comunidade chinesa de Buenos Aires.

-Ele é chinês, você é chinês, falam em chinês. Como que não o entende?

-Falo cantonês e ele mandarim. São idiomas diferentes.

-Filho da puta.

O simples fato de Roberto decidir ajudar um jovem que não conhecia, em uma situação na qual não precisa se meter, diz muito sobre uma bondade intrínseca que, por mais enferrujada ou escondida que esteja, é latente. Alguns gestos simples, como, por exemplo, não trancar a porta do quarto de visitas e oferecer doce de leite reforçam o gradual carinho que nutre por Jun. “Um Conto Chinês” tem toques dramáticos e o roteiro caracteriza excepcionalmente bem seus personagens, no entanto, é, em suma, uma “tragicomédia”. Ricardo Darín nunca esteve tão engraçado. Sua composição física vai ao encontro do que foi descrito acima e o humor parte de sua impaciência/raiva. Poucos intérpretes falam palavrões com tanto gosto e é sempre um prazer escutá-los da boca de Darín, cujos olhares de incredulidade são impagáveis. O ator argentino também utiliza a persona rabugenta para conferir profundidade às dores do passado e à dificuldade que tem de se aproximar de Mari, por quem é apaixonado – é possível sentir a dor física de não conseguir agir.

Nesse sentido, o convívio com Jun aflora sua humanidade, obrigando-o a entrar em contato com a sensação de cuidar de alguém. Roberto fica à beira de explodir, mas também percebe que não pode seguir adiante sem resolver a questão do amigo chinês. As palavras são o principal meio de comunicação, porém não o único. No terço final, o roteiro amarra todas as pontas, num nó de rara perfeição, e o diretor Sebastián Borensztein termina o filme com extrema sensibilidade. “Um Conto Chinês” ficou famoso por ter uma cena na qual uma vaca cai do céu e mata uma mulher. Lembram das histórias absurdas colecionadas pelo protagonista? Uma delas envolve Jun…

Nessa sequência, em que o tradutor ajuda Roberto a finalmente conhecer a origem e o porquê de Jun estar na Argentina, o termo “tragicomédia” é sintetizado. Talvez exista algum sentido no absurdo da vida.

“Um Conto Chinês” é uma obra surpreendentemente humana, delicada e divertida. 

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