“Two Lovers” inicia com um plano no qual vemos Leonard de costas. Ele se atira no rio, numa (nova) tentativa de suicídio. Há muito amor por parte dos pais, que tentam entendê-lo sem soarem invasivos. Leonard foi abandonado pela noiva e, desde então, vaga por aí sem propósito, pensando em formas de exterminar sua dor.
Leonard parece ter perdido, parcialmente, a confiança e o interesse nos seres humanos, o que é ressaltado por seu olhar distante. Seus gestos corporais denotam um incômodo intransponível; sua perturbação é visível, mas ele não está disposto a se abrir.
Reuben, seu pai, dono de uma lavanderia, está prestes a fechar um importante negócio e tenta unir seu filho a Sandra, filha de seu possível chefe. Ambas as famílias chegam ao consenso de que aquela é uma rara oportunidade. Na primeira sequência sozinhos, fica nítido que eles estão em sintonias distintas. Gray, elegante e sutil em suas observações, destaca tal sensação a partir da posição do protagonista: a princípio, os dois se sentam na cama; depois, quando o diálogo ganha mínimos contornos íntimos, ele se levanta e se acomoda na cadeira, reforçando sua aguda necessidade por espaço. O quarto de Leonard é tão bagunçado quanto sua mente e o porta-retrato da noiva salienta a dificuldade de seguir adiante.
No dia seguinte, Leonard conhece Michelle, sua vizinha. Gray, então, trava uma batalha entre a espontaneidade e a imposição. Michelle é animada e igualmente “ferrada”. Ela passa os dias brigando com o pai, já teve problemas com drogas e mantém uma relação extraconjugal com um dos sócios do escritório de advocacia no qual trabalha como secretária. Leonard reconhece os traços de vulnerabilidade, a angústia pelos erros e se encanta por sua beleza. A sequência na boate, em que ele dança sem preocupações, é a prova de que a paixão é uma magia de alta potência. Joaquin Phoenix, colaborador habitual de Gray, é extremamente sutil ao diferenciar o comportamento de Leonard ao lado de Michelle e de Sandra. Diante da primeira, Phoenix investe em trejeitos e numa entonação que contribuem para o seu entusiasmo – Leonard está à procura de sua melhor versão -; com a segunda, o ator age como se estivesse cumprindo uma obrigação, muitas vezes, disperso ao que está sendo dito.
A coerência nos guia a Sandra; todavia, em questões do coração, a racionalidade fica em segundo plano. O coração gosta de elaborar caminhos esburacados e perigosos. Em outra demonstração de controle absoluto da mise en scéne, Gray filma uma conversa entre Leonard e Michelle atrás de paredes, estabelecendo a ideia de um muro impenetrável que sempre afastará o protagonista de sua amada. Para Michelle, Leonard é um grande amigo, praticamente um irmão, e não há nada mais doloroso do que isso. Gray utiliza o terraço, local onde se passa a cena detalhada acima, para conceber uma rima elegante. Após crises e incertezas, Michelle finalmente deixa o tal sócio com quem mantinha um caso. Ela volta a conversar com Leonard no terraço, só que, agora, a câmera e os personagens ficam no ambiente interno, o que marca uma virada de chave naquela relação e confere uma intimidade considerável ao momento – as barreiras caíram; o caminho parece livre. Por vezes, Gray enquadra Michelle atrás de grades, frisando que, talvez, ela esteja fadada a uma existência melancólica, aprisionada a relacionamentos e seres tóxicos. No auge da euforia, planejando o futuro com a amada, em meio a uma celebração familiar, Gray percorre o apartamento com nervosismo e urgência, emulando o estado de espírito do protagonista.
Sandra é uma espécie de “consolo”, o que não é justo. A única menção ao desenvolvimento do romance entre os dois surge em formato de fotos em preto e branco – ou seja, não há movimento ou alegria, somente o compromisso com a monotonia. Quando eles transam pela primeira vez, a câmera nos direciona à janela de Michelle. A trilha sonora delicada e a fotografia em tons frios são elementos primordiais para a fomentação de uma atmosfera densa e melancólica. O desfecho é desolador, mas só porque conhecemos os personagens e a situação a fundo. Se eu simplesmente o mencionasse, sem explorar as nuances, soaria como algo digno de celebração. “Two Lovers” é um dos filmes mais tristes e amargos sobre “se apaixonar”. O roteiro capta a imprevisibilidade cotidiana e o tamanho cavalar da frustração de estar perto do esplendor idealizado e ter que se contentar com aquilo que foi pré-estabelecido. Leonard retornou ao ringue da vida, porém, assim como a maioria dos desafiantes, foi nocauteado pela paixão, a magia que sufoca e dilacera o ser humano.
Além de Joaquin Phoenix, que compõe um personagem cujas emoções borbulhantes estão em seu trabalho corporal, Gwyneth Paltrow, Isabella Rossellini e Vinessa Shaw estão impecáveis.
“Two Lovers” é a obra principal de um dos cineastas mais sensíveis da atualidade.



