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“True Stories” é como “Once In A Lifetime”: divertido, peculiar e inteligente. Se David Byrne, o gênio por trás do “Talking Heads”, tivesse dado sequência à sua carreira de cineasta, ele seria um misto de Wes Anderson e David Lynch. Obviamente, ele não interpreta um personagem convencional, mas um narrador que, invariavelmente, se comunica olhando para a câmera, como se estivesse interagindo com o espectador. Ao longo das décadas, o Texas sofreu mudanças radicais. Dinossauros e índios estiveram por lá; a roda da fortuna já girou em torno de algodão, gado e petróleo. Hoje, o grande investimento é na microeletrônica. Os tempos mudaram e a tecnologia bateu à porta do novo milênio.

A pequena cidade de Virgil está em plena expansão e se prepara para um evento em celebração aos 150 anos do Texas. A empresa Varicorp é quem manda em Virgil, ocupando boa parte dos habitantes, meras engrenagens embutidas num pólo tecnológico. Byrne demonstra preocupação com a posição do ser humano numa hipotética sociedade “robotizada”, na qual os computadores e as máquinas atingiram um patamar superior. Por outro lado, Byrne satiriza seu próprio pensamento, o que fica evidente na figura do pastor que acredita em teorias da conspiração. “True Stories” é uma celebração às pessoas comuns; àqueles que abraçam o cotidiano pragmático e sonham com a simplicidade. O diretor, à sua maneira, observa e admira seus personagens, que são, no mínimo, estranhos. A coleção engloba uma mulher que inventa as mentiras mais bizarras possíveis, como, por exemplo, que nasceu com um rabo; Mrs. Rollings, que nunca sai de sua cama; Mr. Tucker, um curandeiro altamente requisitado; e Earl Culver, que não fala diretamente com sua esposa, Kay, há 15 anos. Quando Byrne janta na casa deles, vemos a longa mesa, a vasta refeição e o quadro que retrata o casal de uma forma distante e descontente. “A economia tornou-se uma coisa espiritual. Eles não veem a diferença entre trabalhar e não trabalhar”, diz Earl, que carrega as características do homem rigoroso trazido à tona por Byrne – o exagero dos extremos serve à comédia e chega a um meio termo.

Louis Fyne é o personagem de maior destaque. “Casamento é algo natural e eu sou um homem comum”. Obcecado pela ideia de dividir a vida com alguém, ele é, no fundo, o objeto de estudo de Byrne. Louis personifica Virgil em sua pacatez, melancolia, alma sonhadora e ânimo contagiante. O “protagonista” está sempre com um sorriso estampado no rosto; sempre confiante de que irá encontrar seu grande amor. Um novo dia significa uma nova chance. Ao longo do filme, somos apresentados a festas, desfiles e uma espécie de karaokê; todavia, esta não é a realidade a qual os habitantes estão acostumados. O shopping, o centro do consumo, é o principal local de encontro das pessoas. De resto, o que existe é um grande “nada”, ressaltado por planos gerais que captam espaços vazios, pelos tons azulados e pela fila de casas idênticas. Tudo está à venda, inclusive o amor. Em uma das sequências mais engraçadas do filme e que reforçam o senso de humor particular de Byrne, Louis aparece num comercial televisivo, colocando-se à disposição de mulheres solteiras. Sua personalidade é a alma de uma obra que se dispõe a apreciar o mundano e a alegria mais genuína possível.

Byrne prova que a cidade dos sonhos se constrói com um estado de espírito elevado e união. Ele ama o indivíduo, nada é mais forte que isso. Sua mensagem é sintetizada em “People Like Us”, música cantada por Louis no evento de aniversário do Texas. As palavras saem de sua boca com o brilho que conhecemos e são tão honestas que causam arrepios – até Mrs. Rollings ameaça a se levantar da cama. Eu arrisco a dizer que John Goodman nunca esteve melhor. Ele encarna o estilo de Byrne sem esforço, transmitindo pureza, ingenuidade, tristeza e felicidade com um raro encantamento. David Byrne, por sua vez, mantém um tom de voz suave, fundamental para o seu tipo de comicidade. Seu figurino de caubói é sensacional. “Estou me acostumando com essas roupas. Eles vendem um monte delas, mas eu não vejo ninguém mais usá-las”.

“True Stories” é uma pérola que merece ser conhecida.

“Somente quando esqueço é que passo a ver o lugar como ele realmente é”.

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