Em 1998, James Cameron fez a limpa no Oscar, com “Titanic”, um dos blockbusters mais amados por crítica e público. No presente, um caçador de tesouros e sua equipe exploram os destroços do Titanic, na esperança de encontrar um colar de diamantes. Essa escolha é interessante, pois apresenta o icônico navio como um centro de descobertas e pesquisa. Quando a centenária Rose aparece, somos introduzidos aos rastros humanos do navio, que ganha vida diante dos nossos olhos.
“Titanic” é primoroso em sua estrutura, garantindo ao espectador diferentes sensações ao longo de suas três horas. Primeiro, temos noção da disparidade social dos tripulantes, divididos em classes que vão, basicamente, do luxo ao lixo. As apertadas cabines, com beliches, servem de contraponto para as suítes extravagantes, com detalhes em dourado, e para os convés particulares. A alta sociedade, como de costume, comporta-se com pompa e classe, mascarando o vazio que rege suas existências. Os sentimentos são negados, dando lugar aos acordos sociais. Rose é noiva de Cal, um sujeito detestável, mas não suporta seus pares, sentindo-se cada vez mais triste com o rumo de sua vida. Ela é apaixonada por arte e sonha com a possibilidade de ser livre. Jack, passageiro da terceira classe, conseguiu seu tíquete numa partida de pôquer e vive sem saber o que lhe aguarda. Jovem, ele é carismático, otimista e vivaz. Sabemos que os dois ficarão juntos e que, antes de personagens com características próprias, são arquétipos rígidos. Tudo é identificável e, ainda assim, não podemos fingir que não há uma intensa magia no ar (quero dizer, no oceano).
Cameron foca em encontros e interações significativas, entendendo que o casal não terá muito tempo para desenvolver uma paixão. Jack salva Rose, o que os “obriga” a se conhecerem melhor. Mais do que isso: ela nota uma sensibilidade aflorada nele; uma sensibilidade que não combina com seus colegas da alta classe. “Você tem um dom, Jack. Você vê as pessoas.” A estranheza inicial não demora a se transformar em afeto. A imagem do pôr do sol refletindo nos dois é suave e delicada – a preocupação de Cameron pela preparação do terreno e por construir diferentes camadas é louvável. Depois, quando Rose finalmente rompe a ideia de superficialidade, partimos para o romance, dividido entre sequências poéticas e sensuais, como aquela em Jack desenha a amada, e outras quase cômicas, que revelam a leveza de “estar apaixonado”. Cal assume, de vez, o posto de antagonista, expondo suas garras vilanescas, manchadas de egoísmo.
Na sequência do desenho, a montagem opta por fusões suaves, ressaltando o envolvimento mútuo e o poder das memórias da “senhora” Rose. No auge da paixão e do planejamento para o futuro, Cameron insere um iceberg nos seus caminhos. “Titanic”, antes um espetáculo por seus incríveis trabalho de direção de arte, fotografia e figurino, que serviam à reconstituição de época, à aura romântica e à fomentação de um mundo injusto – o navio é um microcosmo -, vira um espetáculo de caos, melodrama e melancolia. A câmera e a montagem, consideravelmente mais ativas, despertam apreensão. À essa altura, Jack e Rose, além de inseparáveis, tornaram-se amigos íntimos do espectador. A ação se mistura com a primitividade humana e com a desilusão. Cameron transforma o enorme navio num ambiente claustrofóbico e apavorante, tomado pela água e amontoado por pessoas desesperadas, tentando sobreviver. Cameron demonstra todo seu tecnicismo, combinando efeitos práticos e visuais; emoções viscerais e a grandiosidade cênica. Uma réplica do navio, de tamanho quase real, foi construída, visando um clímax que conciliasse autenticidade e escala épica. Passaram-se 28 anos e o primor técnico do filme segue intacto.
No presente, Rose se lembra de Jack como o homem que a salvou da morte, do congelamento e de uma vida infeliz. “Titanic” pode até soar clichê, mas é uma obra genuinamente romântica que sabe como guiar as emoções do espectador – não de uma forma impositiva – e que tem um carinho especial por seus personagens. Cameron amarra tudo com uma cena final que reitera a magia e o caráter poético daquela viagem que terminou tragicamente. Leonardo DiCaprio e Kate Winslet dividem uma química difícil de superar. Eles encantam e são o coração deste épico, oferecendo performances certeiras.
“Titanic” merece a reputação que carrega.