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Stanley White foi transferido para Chinatown e, diferentemente de seus colegas, que mantinham acordos com os chefões asiáticos, ele está disposto a puxar o tapete e expor o esquema de corrupção. As ruas são escuras e sujas, mas os estabelecimentos, sempre marcados pelo vermelho – não apenas o da China, mas também do sangue que mancha as calçadas -, são elegantes e maquiam a imagem de um lugar controlado por bandidos da pior espécie. Os negócios secundários escondem a mina de ouro: o tráfico de drogas.

O protagonista, que é capitão do Departamento policial, não é o tipo de “herói” pelo qual estamos acostumados a torcer. Ele é egoísta, preconceituoso e machista, no entanto, essa é a sua chance de redenção; a chance de expurgar os fantasmas da Guerra do Vietnam e de valorizar aqueles que o amam. Na primeira vez em que se encontram, os chineses usam ternos brancos e Stanley, um sobretudo cinza – de cara, são postos em lados opostos da lei. O protagonista não está disposto a cooperar (leia-se, aceitar subornos) e, por mais falho que seja, é o único policial que não aceita nada além da justiça plena.

Seu caminho solitário vale para todas as esferas, inclusive, a matrimonial. Connie deixou de ser uma prioridade e, mesmo a amando, não consegue conciliar suas obrigações, optando pelas ruas inconclusivas e ardilosas de Chinatown. Eis que surge Tracy, uma jornalista interessada no caso, e acaba se envolvendo com Stanley. A relação entre os dois é, no mínimo, curiosa, já que o protagonista não pode ser considerado um cavalheiro e, na maioria das vezes, é direto a ponto de ser indelicado.

Sem seus amigos, o protagonista é apenas um policial à espera de um novo escândalo. Sem Connie, ele fica sem afeto e amor; sem Louis, seu colega no Departamento, ele não tem a quem se abrir em momentos delicados. Quando Stanley perde o controle, se direciona à casa de Tracy, que pergunta se ele não pode ficar em outro lugar. “Você é a única amiga que me restou”. “Eu não conheço ninguém”. O quadro fecha em seu rosto e, pela primeira vez, enxergamos algo além da habitual rigidez e fome por justiça.

Em determinado momento, Tracy diz que o ama e, em vez de se aproximar, ela se afasta, numa sutil demonstração do quão duro e insensível Stanley é. A fotografia azulada, uma das marcas do filme, é especialmente expressiva nessa cena, ressaltando a melancolia e a solidão em torno daqueles personagens.

O protagonista até tenta mudar a mentalidade do Departamento, todavia, é impossível modificar por completo uma corporação que aderiu a ações convenientes. Não há nenhuma evidência concreta de que exista uma máfia em Chinatown, logo, é melhor manter a boa relação do que remexer naquilo que está alinhado e organizado há anos. Stanley é contra a lei do menor esforço, se sabota no processo, sabota as pessoas que ama e se excede, no entanto, é o único que pode acabar com a paz dos criminosos.

Joey Tai orquestrou o assassinato de seu sogro, até então, o chefão local, com a intenção de assumir seu posto. Jovem e sedento por poder, ele não mede esforços para eliminar fofoqueiros e espiões. Cimino, conhecido por sua abordagem visceral em sequência violentas, tem, aqui, um prato cheio para impressionar o espectador com a perversidade dos antagonistas e o vigor do herói. Joey é inteligente, porém autossuficiente e convencido demais para o cargo que assumiu. Seus colegas desaprovam suas condutas, sua falta de cuidado facilita o trabalho do protagonista e, ao se sentar para negociar com os traficantes, a impressão que passa, com seu terno de grife, é que está querendo impressionar pessoas que já conheceram chefões mais imponentes e respeitosos.

Joey é vingativo e Stanley sofre na sua mão, sendo obrigado a frequentar funerais dos quais tinha pesadelo, todavia, no fim, sabemos mais ou menos o que irá acontecer, o que não enfraquece a obra. O roteiro foca no estudo de personagem. Seu drama pessoal é acompanhado por uma brutalidade inesperada – confesso que uma sequência me pegou completamente desprevenido pela mudança abrupta de tom.

Não, Stanley não se transforma num homem perfeito, mas tem a oportunidade de confrontar seus demônios internos e ganha uma segunda chance de provar que é capaz de amar e se importar com alguém. E Chinatown? O circo segue, só não sabemos quem será o próximo palhaço.

As relações secundárias são fundamentais para a resolução do caso e adicionam um toque cômico que enriquece a narrativa. Herbert ainda está em fase de treinamento, entretanto, Stanley convence o Departamento a usá-lo como um policial infiltrado.

-Quantas horas vou trabalhar?

-24 horas por dia, 7 dias por semana.

-Quando vou dormir?

-Esqueça o sono.

-Mas tenho outro emprego.

-Herbert, demita-se.

A relação não fica só no ofício, sendo importante no arco do protagonista. O que falar das freiras que ajudam a traduzir conversas grampeadas? O contraste entre as boas maneiras e o linguajar chulo é genial.

A perseguição na boate, potencializada pelo uso de câmera na mão, que conversa com o clima do ambiente, é espetacular. No banheiro, luzes azuis e vermelhas se misturam – os símbolos da obra: melancolia, solidão, dor, crime e violência.

O duelo final é, sem dúvida alguma, um dos grandes momentos da carreira de Michael Cimino. Sozinho, Stanley corre atrás de Joey, em meio a escuridão azulada. A contraluz confere um aspecto sombrio, dando ao protagonista um desfecho digno de suas angústias.

A trilha sonora é lindíssima e ajuda na caracterização de Stanley, que nunca se torna superficial ou desinteressante.

Mickey Rourke estava em seu auge e dá vida ao policial combinando o charme que lhe é peculiar, uma completa falta de escrúpulos e uma vulnerabilidade que demora a desabrochar. Quando Stanley desfere um soco em Louis, esperamos que a luta prossiga, mas não, ele diz ao seu chefe: “isso não foi entre policiais, foi entre companheiros dos velhos tempos”. A fala é ótima, mas é a forma como Rourke a entoa que a coloca num patamar acima.

“The Year Of The Dragon” é um dos filmes mais subestimados que assisti recentemente. 

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