“The Public Enemy” narra a trajetória de Tom Powers ao longo dos anos, de garoto trambiqueiro a gângster sanguinário. No início do século 20, a criminalidade era vista com um certo glamour e atraía jovens sem maiores perspectivas. “Aquele trouxa está ocupado estudando. Está aprendendo a ser pobre”, diz o protagonista, referindo-se a Mike, seu irmão. Ainda na infância, Tom e Matt, seu grande amigo, já trabalhavam para um gângster apelidado de “narigão”, a quem levavam objetos valiosos em troca de alguns trocados. Neste mesmo período, eles encostaram em armas pela primeira vez. Em um plano que consistia no roubo de peles de animais, um de seus colegas é assassinado pela polícia. Na Hollywood pre-code, temas e situações que, posteriormente, foram problematizados, eram retratados da forma mais honesta e crua possível. As ruas escuras e as sombras do crime marcam a implacável violência. No funeral, a mãe do tal colega chora copiosamente, enquanto os policiais brindam: “Ele recebeu o que merecia. Eu avisei”.
A narrativa, composta por fades que indicam a passagem do tempo, preza pela agilidade, deixando nítido que Tom entrou para um caminho sem volta e que, cada vez mais, vende parte de sua alma. Em casa, há o carinho da mãe, que ainda o chama de bebê, e Mike, que trilha o caminho oposto ao do irmão, casando-se e vivendo uma vida digna. Paddy, novo chefe de Tom e Matt, diferentemente do “narigão”, estabelece um laço calcado na confiança absoluta. Juntos, o grupo enriquece, fazendo do contrabando de cerveja o principal ganha pão. O protagonista, antes ingênuo e deslumbrado, encarna o meio ao qual está inserido, impressionando pela frieza e precisão. Nathan, uma lenda no mundo do crime, entra para o time e é interessante como o diretor William A. Wellman quase sempre o coloca numa posição de destaque no quadro, ressaltando a admiração dos demais. Nathan é quem guia Tom à violência; quem não quiser a cerveja deles, sofrerá as consequências.
O enorme barril colocado no centro da mesa de jantar da família reforça o envolvimento de Tom com o gangsterismo e o seu afastamento daquele meio afetuoso – Mike é enfático ao repudiar suas atitudes. Ternos, chapéus e sobretudos são símbolos do poder e do respeito que Tom sonhava em adquirir desde pequeno. A pobre mãe, apaixonada pelos filhos, fica numa tremenda saia justa, expressada por Wellman num plano em que ela, centralizada, fica entre os dois. E as mulheres? Tom não é do tipo que se casa; sua humanidade só é perceptível se olharmos com lupas de altíssima qualidade. A amizade entre o protagonista e Matt é construída a partir da cumplicidade e de diálogos casualmente cômicos. “Isso não quer dizer nada. Você sairia com uma velha reumática de 80 anos”. Matt, por sua vez, encontra uma amada, o que desagrada Tom. Em outro enquadramento elegante, Matt abraça a esposa, enquanto Tom, ao fundo, o aguarda para uma noite de crime.
O último ato reserva sequências marcantes, uma espécie de redenção e a resposta de gangues rivais. O desfecho é notório por sua brutalidade, no entanto, eu não esperava por algo tão pesado. Quase 100 anos se passaram e poucos filmes igualaram o pessimismo em relação ao universo gângster de “The Public Enemy”. James Cagney, o baixinho mais enfezado da história da sétima arte, confere profundidade ao arco de um personagem que se torna gradualmente mais temido, vazio e violento. Ele rouba todas as cenas com seu temperamento explosivo e carisma singular.