“The Parallax View” mostra logo de cara a que veio. Charles Carroll, senador e possível candidato à presidência, é assassinado. O lugar está lotado, mas o diretor Alan J. Pakula foca em olhares que nos deixam com um mau pressentimento. A sequência termina com uma perseguição no topo do prédio, uma torre de observação cujo formato serve de gatilho para o desenvolvimento de acrofobia. O comitê especial investiga o caso e chega à conclusão de que foi obra de um único homem, descartando a possibilidade de conspiração política.
Três anos se passam e várias testemunhas do atentado morreram. A princípio, Joseph Frady, um jornalista, tende a acreditar que Lee, sua amiga, está paranoica; no entanto, após ela ter o mesmo destino dos demais, vítima de uma overdose fatal, ele se vê obrigado a reconsiderar suas convicções. Pakula adota uma abordagem interessante em cenas de diálogo, optando, invariavelmente, por planos abertos. Dessa forma, o cineasta preserva a discrição dos personagens e ressalta quão distantes estão da verdade, ao mesmo tempo em que cria a sensação de observação constante.
Frady, então, parte para uma pequena cidade, onde uma das testemunhas morreu afogada. O xerife local se mostra solícito, todavia, não demora muito para tentar matar o protagonista. A briga acontece numa barragem e o mérito do diretor é compreender que o espaço é mais aterrorizante do que a ação em si, deixando o show para o design de som, que potencializa a queda d’água. Na casa do xerife, Frady encontra um teste de personalidade da empresa Parallax, que, pelo visto, recruta psicopatas homicidas, homens que se consideram injustiçados perante a sociedade. A disciplina narrativa de Pakula é louvável. Não é a movimentação da câmera que desperta ansiedade no espectador – por vezes, ela permanece estática -, mas o silêncio, os enquadramentos meticulosos, a trilha sonora inquietante e o som ambiente, como, por exemplo, nas cenas do avião e do barco.
O protagonista, a fim de entrar na Parallax, se aproveita de uma notícia que o dá como morto. A sala onde ele realiza o teste é opressiva, com uma poltrona no centro e uma iluminação que varia entre um flash invasivo e a escuridão quase absoluta. O trabalho de Gordon Willis, diretor de fotografia, é um dos grandes méritos do filme. Praticamente todos os personagens estão associados à sombra. O perigo constante, a busca por respostas e o julgamento de caráter são algumas das conotações conferidas a tal recurso, que se torna obrigatória na medida em que adentramos terrenos cada vez mais lúgubres. Quando um dos líderes da Parallax descobre que Frady inventou uma nova identidade, seu rosto, cabisbaixo, fica completamente mergulhado nas sombras, salientando a difícil situação e a imersão total na investigação, que passa a soar como um “caminho sem volta”.
Por mais que o protagonista consiga ludibriá-los em algumas ocasiões e penetrar as entranhas da conspiração, em nenhum momento fomentamos a ilusão de que seu final será feliz ou de que ele conseguirá expor tudo o que descobriu. Essa é a história de um jornalista contra um exército altamente preparado. A empresa está sempre um passo à frente, pronta para eventuais empecilhos. A direção de arte, que pontua sutilmente a presença do vermelho nos cenários, acerta também na concepção do quarto de Frady, um homem morto – não há cores, espaço, nem personalidade. No clímax, as inúmeras mesas, arrumadas para o comício de outro senador, formam a bandeira dos Estados Unidos. Nessa sequência, fica nítido o porquê dos atentados, em sua maioria, não serem interceptados: esses bandidos, infelizmente, são muito bons no que fazem.
O andar no qual se situam é tomado pela escuridão e o uso de contraluz reforça a “invisibilidade” dos assassinos, fantasmas do crime organizado. Pakula os acompanha com a elegância e a calma que lhes é peculiar e constrói o terreno a partir de uma eficiente montagem paralela. À essa altura, Frady se situa num labirinto; ele sabe as respostas, mas não faz ideia de como desmascará-los. O corpo caído em meio às mesas da bandeira americana é simbólico: Os Estados Unidos do Sangue e do Terror. O roteiro estabelece rimas interessantes, evitando pontas soltas, investindo, inclusive, num tom irônico, que se confunde com a desesperança e o pessimismo. O comitê se reúne novamente. A conclusão é de que não houve conspiração política. O jogo continua às escuras e as instituições estão falidas. As sombras acobertam aqueles que nelas se escondem.
Warren Beatty é o ator ideal para esse tipo de papel. Ele tem o carisma necessário e não depende de gesticulações para ser expressivo.
“The Parallax View” veio na onda de obras que, diante do conturbado contexto político americano, abordaram paranoia e conspiração e está no mesmo nível de “All The President’s Men”, também dirigido por Alan J. Pakula.