Na gelada Londres, Willie Parker testemunha contra seus colegas de crime em troca de liberdade. O contra-plongée destaca sua posição no tribunal e a opção de Stephen Frears por colocá-lo em primeiro plano e os acusados, ao fundo, é perfeita para resumir a situação. Dez anos se passam. O cenário agora é a ensolarada Espanha, onde Willie aproveita para relaxar até ser capturado por alguém. Ele sabia que esse dia chegaria e não tenta evitá-lo; admite sua escolha e conhece as regras do jogo.
Braddock é um assassino frio e experiente, enquanto Myron está apenas iniciando sua carreira criminosa. O contraste entre os dois se estende aos seus figurinos e trejeitos – o primeiro é cool e minimalista; o segundo é impulsivo e imaturo. Quando o protagonista “os encontra”, não perde a chance de entoar o famoso verso da música “We’ll Meet Again”, cantada pelos antigos colegas no tribunal, num tom de aviso. Eles chegam a um apartamento ocupado por alguém que não deveria estar lá. Braddock cuida do problema e rapta Maggie, namorada do tal cara.
Os quatro, então, partem em direção a Paris, assumindo, de vez, o caráter de “Road Movie” da narrativa. Este filme não é repleto de sequências violentas; o interesse de Frears é suscitar tensão – a qualquer instante algo pode acontecer. “The Hit” também não é um suspense convencional, já que o roteiro lida com questões existenciais, incluindo a aceitação da finitude que homens em constante contato com a morte precisam assumir. Willie destrói o prazer sádico de Myron, que esperava por um sujeito choroso e arrependido. A roupa branca e o semblante alegre provam o contrário. O protagonista aproveitou a liberdade e se preparou, ao longo de dez anos, por este momento. “O que acontece após a morte não é muito diferente do que acontece antes”.
Myron ainda tem um coração, o que, no seu meio, não é uma virtude. Ele decide escutar Willie e, apesar de não compreendê-lo, admira sua coragem. Em algumas situações, o protagonista deixa de ser tratado como um prisioneiro, conversando e caminhando normalmente pela natureza. Maggie, o quarto elemento, a princípio, parece ser a donzela em apuros; todavia, aos poucos, notamos uma força imensa nela, que se mistura com o medo de morrer. Willie tem várias oportunidades de fugir, mas já esteve na posição dos contratados, sabe que eles só estão cumprindo ordens e que a punição para uma eventual falha será severa. Através de planos gerais, Frears observa os espaços. No momento mais extraordinário do filme, Braddock corre atrás de Willie e o encontra contemplando uma cachoeira, numa serenidade difícil de ser alcançada.
Braddock, com seus óculos escuros e cabelo penteado, expõe somente a faceta do assassino calculista e preciso. Eles se cruzaram no passado e representam lados opostos da mesma moeda. Braddock é muito mais inseguro e covarde do que aparenta. A jornada muda tanto de figura, que Myron, interessado por Maggie, afirma que ela será poupada e que gostaria de ajudar Willie. O clímax é surpreendente e reforça o caráter do assassino, que faz do egoísmo um mantra pessoal. O capitão da polícia local, interpretado por Fernando Rey, segue os rastros pouco sutis da trupe e, graças a Maggie, consegue atingir seu objetivo.
Um dos grandes méritos do filme está em sua trilha sonora, composta por Paco de Lucía, que, com o seu estilo flamenco, confere tensão, melancolia e fluidez à narrativa. O excelente tema principal foi composto por Eric Clapton, provando que, naquele período, Stephen Frears estava obcecado por guitarristas virtuosos.
Tudo fica consideravelmente mais simples quando se tem à disposição um trio como John Hurt (Braddock), Terence Stamp (Willie) e Tim Roth (Myron). As melhores sequências são aquelas nas quais os atores interagem e, além das marcas criadas para seus personagens, demonstram algo a mais – vulnerabilidade, incerteza, sensibilidade…
“The Hit” nega obviedades e reúne uma série de artistas talentosos no auge de seu brilhantismo.