“Outra época, outro lugar”. Walter Hill deixa claro que “Streets Of Fire” se passa num mundo fictício, existente apenas no imaginário popular e nas salas de cinema. Eu não gosto muito do termo “estilo sobre substância”, todavia, não posso mentir: quando o estilo é tão intoxicante quanto este, a substância pouco importa.
A multidão se aproxima; o show das cores em neon e os cortes, ancorados à trilha sonora, são atraentes. Ellen Aim começa a cantar. O vestido vermelho ressalta o seu protagonismo no palco, o que também é destacado pela fotografia, que mantém os demais integrantes ligados aos feixes azuis. Uma gangue entra no local e o uso de contraluz é perfeito ao reforçar seu caráter enigmático e potencialmente perigoso. São os motoqueiros e eles sequestram Ellen.
Somente uma pessoa é capaz de recuperá-la: Tom Cody, seu antigo parceiro, um arruaceiro conhecido pelas autoridades locais. A voz imponente, a feição despreocupada e o sobretudo são marcas de um sujeito que habita as sombras. As freeze frames salientam sua facilidade em espancar e humilhar idiotas metidos à besta. Ele não tem sorte com as mulheres, ainda ama Ellen e, na ânsia de resgatá-la, faz um acordo com Billy Fish, agente e namorado dela. Os dez mil dólares são uma forma de esconder sentimentos e McCoy, uma garota durona que diz ser um soldado, fecha o grupo.
A brutalidade aqui é exagerada, tanto pelas explosões e efeitos balísticos, quanto pelo design de som, que atinge um nível cartunesco em brigas mano a mano, por exemplo. Os tons esverdeados e a fumaça potencializam as incertezas e o clima hostil da cidade. Pela manhã, o ambiente não tem qualquer personalidade, impressionando pela frieza. O caos e a farra ocorrem à noite, quando as aflições se esvaem e o Rock N’ Roll dita o ritmo.
“Streets Of Fire” é um longo vídeo clipe. Como mencionei acima, praticamente tudo conversa com a música e a trama assume a mera função de veículo. Os personagens são caricaturas, seres que operam somente no universo concebido por Hill. Cody é exatamente aquilo que parece ser. Seus percalços são conveniências de um roteiro que abraça a farsa e respeita a linguagem hipnotizante adotada pelo cineasta. Billy é o clássico empresário engomado e prepotente, o que é frisado pelo seu figurino e pela interpretação de Rick Moranis – um casting brilhante.
Sim, o comentário acerca do show business é pertinente e a fala do protagonista para Billy o sintetiza com maestria: “ela precisa de você muito mais do que de mim”. Poucos têm a oportunidade de subir aos palcos e Cody é só um jovem rebelde e errante. A autoralidade é relevante num meio que visa exclusivamente o sucesso financeiro?
Hill não tem vergonha de assumir a artificialidade. Se houver uma cena romântica, a chuva é necessária e os personagens precisam se molhar antes do beijo. A agilidade da narrativa se deve ao inventivo trabalho de montagem, cujas transições conferem um aspecto quase “virtual” ao filme. Os cortes em profusão, principalmente na última luta, realçam uma brutalidade particular.
Em meio à barbárie e à euforia, um mar de luzes toma conta da tela, sendo o vermelho e o azul dois dos principais símbolos. Quente e frio; violência e desesperança; amor e melancolia; inclusão e exclusão. Se tudo é uma armação de um diretor que brinca com os limites da linguagem cinematográfica, imaginem o impacto causado pelos “verdadeiros” vídeo clipes. As canções são incríveis. “Nowhere Fast” encapsula a sonoridade oitentista e Hill cria uma dinâmica fascinante, alternando entre as interações no palco e o frenesi do público. “Tonight Is What It Means To Be Young” é quase um hino, um pedaço de arte que merece ser reverenciado e o olhar de Cody para o palco engrandece o momento.
Willem Dafoe, no início de sua carreira, interpreta o antagonista. Sua composição é um misto do que ele já havia feito em “The Loveless”, de Kathryn Bigelow, e o que viria a fazer em “To Live and Die in L.A.”, de William Friedkin.
Michael Paré e Diane Lane funcionam dentro dos limites impostos por Hill. Nos preocupamos com seus personagens e muito da aura cool da obra está em suas personas.
Esteticamente inovador, “Streets Of Fire” acerta ao abusar da estilização. Assim como acontece após ouvirmos músicas empolgantes, quando o filme terminar, você vai querer reiniciá-lo.