“Snow Angels” pinta um painel sobre seres que não sabem lidar consigo e que foram engolidos pela gigantesca camada de neve que cobre a cidade onde vivem. A solidão é desesperadora e os personagens, na tentativa de espantá-la, se afundam cada vez mais.
Annie trabalha como garçonete, tem uma filha pequena chamada Tara e se divorciou há pouco tempo. Ela também cuida da mãe e faz questão de deixar as coisas em ordem, porém se irrita facilmente. Seu momento de maior prazer durante a semana é quando encontra o marido da melhor amiga em um motel barato. Annie gosta de Nate ou quer, inconscientemente, que Barb sinta o mesmo que ela?
Glenn, seu antigo parceiro, é introduzido como um sujeito inquieto e preocupado com sua imagem. Seus trejeitos denotam uma enorme vontade de ser bem visto, no entanto, em seu ímpeto, ele basicamente afirma que jamais conseguirá soar normal.
Glenn deseja manter um bom relacionamento com Annie, o que, pela forma protocolar que ela o trata, parece impossível. O protagonista se rasteja por algo que acabou, é um pai despreparado e enxerga o emprego numa loja de carpetes como o passaporte para uma vida estável. A verdade é que ele nem liga para o trabalho, quer apenas impressionar Annie. Glenn é um sujeito digno de pena, cujas atitudes ressaltam uma total desconexão da realidade. Sua ânsia por atenção é tão grande, que não duvidamos de sua capacidade autodestrutiva.
Arthur está na escola e passa por um período contraditório. Enquanto se apaixona por Lila, encara o divórcio dos pais. Dono de uma sensibilidade bastante particular, David Gordon Green retrata o desabrochar do amor jovial de uma forma poética, apostando em interações inocentes e cheias de intenção. Em contrapartida, o fim do amor é caracterizado pelo silêncio e pela falta de respostas. Don, o pai, quer virar a chave, todavia, o vazio do novo apartamento é um indício de que, em breve, ele retornará com a certeza de que aquilo que tinha, é o máximo que alcançará. Louise, a mãe, nesse meio tempo, tenta entender o que aconteceu de errado e juntar os cacos de sua alma, jogada no chão.
O roteiro, então, decide tornar tudo ainda mais trágico. Tara desaparece e é encontrada morta, afogada num lago congelado. A fragilidade de uma mulher que via a função materna como o único rastro de felicidade em sua vida e a insegurança de um homem que, quanto mais tenta ser amado, mais se afasta das pessoas, são elevadas ao extremo. Annie se transforma numa figura catatônica que se culpa por não ter protegido seu maior presente; Glenn volta a se afundar na bebida e, ignorado por todos, busca respostas na fé, o que nunca soa natural, sendo, no fundo, um sintoma de seu gradual desespero e da descrença em si.
A cidade inteira se comove e é afetada pela tragédia. Don, ao encontrar Louise e Arthur, abraçados, na cena do crime, percebe que a impossibilidade só é real quando o fim bate à porta. Os seres humanos, orgulhosos e egoístas, tendem a se fechar às melhores oportunidades e a não reconhecer passos equivocados. A morte, nesse caso, representa o renascimento de uma família.
Sem entrar em maiores detalhes sobre a trama, é incrível observar os diferentes significados conferidos à neve – elemento primordial da narrativa – no desfecho. Por um lado, é a avalanche de melancolia, dor e desesperança; por outro, é um símbolo de pureza, beleza e do reinício. Falando nas paisagens, Gordon Green adota uma abordagem interessante, variando entre planos que realçam o caráter predatório do ambiente em relação às pessoas e uma baixa profundidade de campo, focando no rosto e nas emoções dos personagens.
Sam Rockwell oferece uma performance tocante e visceral. Ele equilibra brilhantemente a inconveniência e a solidão, fazendo de Glenn um sujeito complexo. Sua busca por validação e afeto se confunde com sua inaptidão e desconhecimento de certas normas sociais. São contradições de cunho humano e colocadas em tela da maneira mais honesta possível. O restante do elenco está em sincronia. Depois de Rockwell, o principal destaque é Kate Beckinsale.
“Snow Angels” é outra prova definitiva de que a carreira de David Gordon Green na década de 2000 merece um reconhecimento maior.