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Vencedor da Palma de Ouro, “Segredos e Mentiras” é um filme sobre a importância da comunicação. É, também, uma carta de amor às relações familiares. Maurice é fotógrafo. Seu trabalho requer um alto grau de “artificialidade”. As pessoas vão até ele para registrar aquilo que idealizam e que desejam que seja visto pelos outros. Maurice raramente sorri e parece ter aderido a valores de seu ofício em sua vida. Embora estável, seu casamento soa pouco apaixonado. O que aconteceu ali? Por que Monica é tão fria e ele, tão passivo? As paredes, impecavelmente azuis, revelam uma melancolia que os corroeu. 

Cynthia, sua irmã, tem uma voz chorosa, digna de uma mulher que carrega o peso do mundo nas costas. Humilde, ela vive com Roxanne, a filha, que não faz esforço para insultá-la. Cynthia perdeu a mãe prematuramente, o que a obrigou a tomar as rédeas de obrigações que não deveriam ser suas, como, por exemplo, cuidar de Maurice, uma vítima das próprias experiências. Não há reciprocidade em sua vida; seu amor, destrambelhado, parte de uma alma maltratada. 

O filme começa com Hortense no funeral de sua mãe. Bem, sua mãe adotiva, já que a biológica ela está prestes a conhecer. Ao falar dos pais, vemos gratidão em seus olhos; todavia, algo ainda a deixa inquieta. Qual a razão pela pesquisa “detetivesca”? Optometrista, Hortense passa os dias em silêncio, com roupas pretas, em luto pela morte e determinada a chacoalhar seu cotidiano. Ela não pretende achar uma mãe substituta, apenas algumas respostas. Hortense sabe que está indo atrás de uma pessoa que a descartou, mas sente que se relacionou superficialmente com os pais e que, talvez, possa aprender com a mãe biológica. 

Eis que Cynthia recebe um telefonema. É como se um fantasma batesse à sua porta. Imersa nas sombras, ela, relutante, aceita encontrar a filha perdida. Por que? Solidão e carência – a esperança de se deparar com uma boa surpresa. Para quem tem pouco, mergulhar no vazio é uma oportunidade. Sim, Cynthia é a mãe de Hortense, o que, a princípio, gera um certo choque, afinal, uma é branca e a outra, negra. Somente depois de preparar o terreno e apresentar as personagens em seus respectivos universos, é que Leigh as reúne. Elas demoram a se identificar e a opção por filmá-las a uma certa distância, numa rua movimentada, com pessoas passando perto da câmera, confere um realismo louvável. O contraste inicial vai além da cor de pele, saltando para os figurinos e as reações emocionais – enquanto Hortense é uma fortaleza, Cynthia desaba em lágrimas. Leigh registra tal interação em um longo plano estático, capturando o ápice da genuinidade. 

Aos poucos, o desconforto se transforma em interesse. Elas não andam em círculos, trabalhando a comunicação em seu caráter mais sincero e puro. Hortense é o catalisador para uma explosão comunicativa; para a catarse que aquela família precisava. No aniversário de Roxanne, que seria mais uma celebração burocrática, Cynthia convida a primogênita, sob o disfarce de “colega de trabalho”. Leigh constrói cascas e, no clímax, permite que seus personagens as abandonem. Antes, ele mostra o desfile de máscaras, salientando as cicatrizes que marcam os corpos e as almas de cada um. Presas aos traumas e enganos do passado, as pessoas apenas existem. Quando os créditos sobem, temos convicção de que eles começaram a viver intensamente – essa é a força do roteiro de Leigh. Os figurinos, que, até então, reforçavam a distância de Hortense, na última cena, sintetizam a força da comunicação e a beleza do conforto familiar. 

Brenda Blethyn e Marianne Jean-Baptiste se complementam, oferecendo performances de uma potência descomunal. A primeira, a partir da expressividade na fala, demonstra, ao mesmo tempo, uma empatia enorme pelas pessoas ao seu redor e uma vulnerabilidade cristalina. A segunda se mantém forte em suas convicções, sendo o ponto de equilíbrio e sensatez. Timothy Spall rouba a cena, principalmente na sequência de aniversário, na qual desconstrói a persona passiva e pacata, assumindo o protagonismo de alguém que observa e tem muito a dizer. “Segredos e Mentiras” chega a conclusões simples e esse é justamente o seu mérito.

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