“See No Evil” reafirma o talento de Richard Fleischer, um esteta que transitou brilhantemente entre a Hollywood Clássica e a Nova Hollywood. A trama é simples: Sarah ficou cega após um acidente de equitação e vai passar um tempo na suntuosa casa de campo de seus tios. O que ninguém desconfia é que um assassino planeja visitá-los.
Em mãos pouco hábeis, este seria um filme esquecível e pragmático. Fleischer, inovador desde a década de 50, abre a narrativa com ângulos baixos, focando na bota do assassino – símbolo da maldade -, indo, no máximo, até a altura de sua cintura. Essa estratégia é mantida até a última cena, quando, finalmente, vemos o seu rosto. Fleischer, além de conservar o anonimato do antagonista, deixa claro que ele está no comando da situação.
Sarah exala pureza e detesta que os outros a enxerguem como uma pobre coitada. Steve, seu namorado, quer voltar a vê-la, mas Sarah não quer ser um fardo para ninguém. Seus passos são quase acrobáticos, deixando o espectador nervoso. A direção de arte, com um dos andares da casa marcado pelo vermelho, e a fotografia em tons frios servem de indício para o que está por vir. Fleischer pensa numa mise en scéne milimétrica, movimentando a câmera e acompanhando a protagonista para que “algo a mais” possa ser percebido – um simples abaixar é suficiente para que o mal seja avistado. Ele também sabe a hora de tornar as coisas mais caóticas, apostando numa crueza que conversa com o pânico sentido por Sarah e abusa de zooms insinuantes e ângulos holandeses. Esse é o trabalho de um cineasta em total controle de sua arte.
Fleischer, apesar de não fazer cerimônia para construir uma atmosfera inquietante, faz questão de analisar seus personagens; afinal, sem a empatia absoluta do espectador, o resultado não seria o mesmo. Ele analisa o rosto de Sarah, expondo sua tristeza e força de vontade para seguir adiante. Em uma das melhores interpretações de sua carreira, Mia Farrow confere uma expressividade paradoxal a um rosto “perdido”. Sua corporalidade também merece elogios, principalmente por tornar tudo ainda mais enervante. Ao introduzir Steve na trama, Fleischer abre espaço para a sensibilidade, vista, por exemplo, na bela sequência em que o casal volta a andar a cavalo. Ele também acerta ao não inserir um flashback do acidente e ao não mostrar o assassinato dos familiares de Sarah – conhecer os cadáveres com ela é uma experiência apavorante.
O cineasta explora a debilidade da protagonista, colocando-a em situações de extremo perigo, sem qualquer tipo de ajuda. A personificação do bem é uma mulher que nada vê; a do mal, é um homem que não vemos. Como o próprio título diz, o mal não é visto (nem compreendido), ele simplesmente existe e cisma em aparecer para destruir qualquer senso de harmonia e estabilidade. Fleischer é abrupto no desfecho, deixando um gosto de tristeza e pavor, não de alívio. Farrow, que, três anos atrás havia atuado em “O Bebê de Rosemary”, prova ser uma atriz versátil e apropriada para filmes deste gênero.
“See No Evil” faz parte do catálogo de obras primas “negligenciadas” de Richard Fleischer.