Conhecido pela trilogia “O Poderoso Chefão” e “Apocalypse Now”, Francis Ford Coppola deu algumas derrapadas em sua carreira, mas realizou outras obras primas, como, por exemplo, “Rumble Fish”.
Eu gosto de filmes de “gangues adolescentes”, mas nunca esperei que esse subgênero poderia nos proporcionar algo tão significativo e cool.
Rusty James é um jovem imaturo e metido a líder do grupo de arruaceiros. Ele parece ser inteligente, respeitado e habilidoso, mas, rapidamente – e o grande ponto do roteiro é esse – percebemos que moral e sabedoria não são suas principais virtudes.
Logo de cara, o protagonista recebe a informação de que outro delinquente quer marcar uma briga. Rusty reúne os seus amigos e se prepara para o confronto, no entanto, obviamente, precisa passar antes na casa de sua namorada, Patty, que sofre em suas mãos.
Sem qualquer tipo de qualidade para ser um líder, nosso herói até tem talento para brigar, mas é salvo graças a presença de seu irmão, “o motoqueiro”. Interpretado por Mickey Rourke, ele é visto por todos como uma figura mítica e sua primeira aparição deixa bem claro o porquê dessa reputação.
Longe de casa há alguns anos, “o motoqueiro” decidiu passar uns tempos na Califórnia. Sua volta suscita um ânimo quase infantil no protagonista, que vê no irmão a sua maior inspiração, afinal, foi e ainda é tido como “o líder” daquela pequena cidade.
Entretanto, diferentemente do que imaginamos, “o motoqueiro” não está mais interessado nessa vida. Daltônico e parcialmente surdo, seu mundo é desanimador e desesperançoso. O policial local o detesta e diz: “ele não é um herói”; já seu pai, bêbado e distante – o que diz muito sobre a personalidade de seus filhos -, certeiramente afirma: “você nasceu na época e no lugar errado”.
No fundo, “o motoqueiro” é um personagem trágico, que nasceu em um ambiente que obriga jovens a seguirem um caminho único, que pode até ser divertido no início, mas que, em algum momento, se torna tedioso, vazio e sem volta. Ele é inegavelmente inteligente e talentoso, contudo, simplesmente não descobriu uma razão para existir e se encontra em um vácuo desesperador, movido por laços falsos e passageiros e uma idolatria “fajuta”. É triste ver um jovem de vinte e um anos parecer um adulto melancólico. As marcas em seu rosto provam que suas escolhas o levaram a um abismo tão profundo, que seu último pedido é justamente por libertação.
“O motoqueiro” é respeitado pelas pessoas erradas e mal visto pelas certas e sabe disso.
Seu retorno, após a busca mal sucedida por alguma vocação ou sentido para sua vida, tem o claro intuito de socorrer seu irmão, que o ama e o coloca em um pedestal inalcançável. Rusty diz a todos que vai ser igual ao irmão – até fisicamente – e nunca recebe respostas positivas. Desprovido de foco e de uma figura paterna presente e tratando a escola como um lixo, o protagonista muito provavelmente teria um fim trágico se não fosse pela presença do “motoqueiro”, que não se exalta nem pensa em dar lições de moral. Suas dicas são sutis e precisas.
Manipulável, Rusty cai em certas armadilhas e é traído. Por tudo que foi exposto, não poderia deixar de dizer o quão simbólico e reconfortante é o desfecho.
A metáfora dos peixes presos no aquário casa lindamente com tudo o que assistimos e cria uma rima perfeitamente elaborada por Coppola com o último plano.
A fotografia em preto e branco não é apenas deslumbrante e cool, conversa diretamente com a realidade daquelas pessoas – não há nenhuma figura radiante, apenas jovens infelizes e contentados –, além de se mostrar uma escolha extremamente empática de Coppola em relação ao “motoqueiro” – o design de som segue uma linha similar, tratando as vozes como sons fantasmagóricos. Os personagens estão quase sempre em becos escuros e o diretor de fotografia salienta a sua preferência por um tom mais pessimista e “brutal” usando recorrentemente a fumaça nos ambientes claros, reforçando as ideias de incerteza e passagem do tempo. Os delinquentes bebem achocolatado, saem com garotas, se esfaqueiam e não estão nem aí. No entanto, chegamos a uma determinada idade em que as coisas passam depressa; envelhecemos e percebemos que não nos tornamos nada, ou pior, somos algo que detestamos. “O motoqueiro”, ainda jovem, havia chegado precocemente nesse estágio.
A direção de arte trata cada espaço como sujo e perigoso. Destaque para a casa da família principal, que impressiona pela desordem e imundice, ressaltando a incapacidade do pai de lidar com suas funções básicas; as ruas e becos vazios – cenários perfeitos para o show de brutalidade e para a caminhada de personagens tão perdidos -; o “Diner” no qual eles se encontram, que traz ao filme um tom necessariamente juvenil.
A presença quase obrigatória de relógios só reafirma o que mencionei acima. Coppola trata o tempo como algo precioso, que necessita de um cuidado especial, caso contrário, onde vamos parar? O que seremos?
A trilha sonora de Stewart Copeland é extraordinária – tem muitos elementos do “The Police”. Ele mistura temas jazzísticos com outros mais tensos e suaves, criando um repertório de batidas memoráveis. A música “Don’t Box Me In” se tornou um clássico.
O mestre Francis Ford Coppola estava em grande fase. O primeiro mérito em sua direção é criar uma conexão instantânea entre os irmãos através da proximidade deles dentro do quadro ou da distância, quando Rusty vira praticamente uma sombra do “motoqueiro”. Seus contra-plongées dão imponência a gangue na briga inicial e os ângulos holandeses engrandecem o caos. Coppola também usa plongées, fomentando uma sensação de perigo e solidão em uma cena específica e planos fechadíssimos, emulando o desconforto do “motoqueiro” nas situações em que escuta vozes atordoantes. O diretor movimenta sua câmera elegantemente, lembrando-nos que aquele é um filme sobre jovens e merece elogios pela condução nas sequências de ação, que conseguem ser violentas e coreograficamente belas.
O já citado último plano, claramente inspirado em “Os Incompreendidos”, de François Truffaut, é espetacular. O protagonista não estava mais no aquário…
O elenco marcou a década de oitenta. Poderia falar sobre cada um, porém me sinto na obrigação de dar um destaque especial para Matt Dillon, que faz de Rusty James um sujeito, a princípio, óbvio, que, gradativamente, demonstra fragilidades e uma tremenda insegurança, e Mickey Rourke, que oferece uma performance suave, cool e minimalista, alcançando a proeza de demonstrar o sofrimento do “motoqueiro” sem exageros ou exposições baratas.
“Rumble Fish” é a grande pérola da filmografia de Francis Ford Coppola.
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