Baseado em “Cyrano de Bergerac”, peça teatral de Edmond Rostand, “Roxanne”, de Fred Schepisi, consegue ser fiel ao material base ao mesmo tempo em que trilha um caminho particular. Steve Martin, o mestre da comédia americana, atua como um regente, potencializando seus colegas e ditando o ritmo do filme, que depende inteiramente de seu carisma. Logo no início, Charlie usa uma raquete de tênis para espancar dois sujeitos que caçoaram de seu enorme nariz e que tentam se defender com bastões de esqui. A coreografia da luta nos diz muita coisa: a brutalidade e a melancolia serão leves.
Charlie é chefe do departamento de bombeiros mais incompetente e atrapalhado já visto. Em um dia comum, ele é surpreendido pela presença de uma jovem desnuda que, por um descuido, ficou presa fora de casa. Nada de escadas, o protagonista chega à janela superior como um acrobata tarimbado. Roxanne, então, o convida para beber algo, no entanto, para sua surpresa, ele já preparou um lanchinho especial. Charlie é adorado por todos na pequena cidade de Nelson. Ele tem mecanismos de controle; aprendeu a rir de si e sabe desarmar “detratores”. Sua aparência peculiar não o impede de transitar tranquilamente, nem de fomentar amizades; por outro lado, o protagonista não se atreve a explorar seu lado romântico, afinal, não acredita na reciprocidade.
“Às vezes, dou um passeio à noite e vejo casais andando de mãos dadas; olho para eles e penso: por que não eu? Depois, vejo a minha sombra na parede”. Como mencionei, existe uma melancolia sútil – intrínseca ao personagem – e o roteiro, escrito pelo próprio Martin, é preciso ao combiná-la com altas doses de humor. Eis que, Roxanne, a moça por quem Charlie se apaixona, demonstra interesse por Chris, que, ao se deparar com qualquer mulher minimamente atraente, tem uma crise de pânico e foge. Entendendo a situação e, a fim de ver sua amada feliz, o protagonista decide ajudar seu subalterno, cuja destreza para escrever cartas faz jus às suas habilidades sociais. Charlie aceita sua “maldição” e passa a assinar as cartas para Chris, enxergando uma possibilidade de expor seus sentimentos. Roxanne se derrete pelas palavras sinceras e pela poesia, todavia, sempre que encontra Chris, tem a impressão de estar diante de um desconhecido. “Meu Deus, eu consegui. Que merda, eu consegui” – a vida e seus dilemas.
O que é mais intenso? A atração física ou amor em seu estado mais puro e genuíno? Na melhor sequência, Charlie se esconde atrás das folhas de uma árvore e corrige as patetices do colega – as interações entre os dois são divertidíssimas. Ali está a expressão de uma mulher encantada e apaixonada; o que havíamos presenciado antes era puramente casual.
Existem mulheres “menos exigentes” e Chris encontra um par ideal, deixando Roxanne apenas com as palavras e o nariz. A conexão humana é rara e o roteiro não o repreende por seguir seu caminho. Esta é uma história de fácil identificação, já que, em maior ou menor grau, todos são como Charlie, ansiando por algo que julgam ser “impossível”. O desfecho doce e otimista conversa com a narrativa e deixa o espectador, pelo menos por alguns minutos, na esperança por dias melhores.
Steve Martin atinge o raro feito de compor uma caricatura relacionável. Ele nos desconcerta com o humor físico e com as tiradas cômicas que dependem de uma inflexão vocal específica. “Dê-me a beleza americana”, diz o protagonista para o cirurgião. Martin também nos presenteia com uma comicidade mais suave, como, por exemplo, quando reage às bizarrices proferidas por Chris. Debaixo do carisma, está o vazio e o ator cobre todas as arestas de Charlie.
“Roxanne” é um belo exemplar do agradável cinema oitentista.