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A coragem, a destreza e a sensibilidade apresentadas por Louis Malle em “O Sopro no Coração” são realmente únicas. Esse filme, polêmico apenas para quem não o assistiu e ouviu falar de uma determinada cena, poderia ser um verdadeiro tiro no pé caso não fosse dotado de características tão “francesas”. Laurent, de 15 anos, é um jovem de classe média alta que vive em Dijon, numa bela casa, com seus pais, irmãos mais velhos e empregadas atenciosas. Ele não quer ser tratado como criança e não se conecta muito com o pai. O mesmo não pode ser dito sobre a relação que nutre com a mãe, por quem tem uma adoração absoluta. Laurent estuda em uma escola católica, um ambiente opressivo e retrógrado. “Pense em sua futura esposa”, diz o padre responsável pelas confissões dos alunos. Os “pecados” de Laurent garantiriam a mim alguns anos em Alcatraz. As palavras de um homem com a roupa “apropriada” não muda a natureza de um jovem – ainda mais se este homem estiver segurando a coxa do jovem. Os uniformes, as carteiras pretas e a rigidez do tirano religioso são marcas de uma época e servem de contraste para o que, de fato, está acontecendo na vida de Laurent. 

As caminhadas pela rua, os cigarros, os discos de Jazz e o despertar sexual conversam com a liberdade de alguém que está conhecendo os prazeres da vida. As interações com os irmãos, retratadas por Malle com imensa paixão e veracidade, ditam o tom da trajetória do protagonista. Marc e Thomas introduzem o caçula às festas, às garotas mais velhas, à bebida e às prostitutas. O cineasta captura um clima de camaradagem que confere um realismo difícil de se atingir, colocando o espectador no cerne das ações. Também arremessamos o espinafre pela mesa; também roubamos o carro do pai e dirigimos imprudentemente; e também brindamos no bordel de luzes vermelhas. A implicância é um sintoma de que está tudo bem. A imaturidade é um sinal de que certas experiências estão sendo conquistadas; a não ser que você queira ser um monge ou um padre, a castração das sensações é uma grande pena. Saindo da infância, Laurent enfrenta a repressão com a libertação diária, o que é ressaltado pelo pano de fundo caótico, envolvendo a Guerra da Indochina. Assim como o sopro no coração de Laurent, a adolescência pode até assustar, mas não é perigosa. O protagonista adora Albert Camus, Charlie Parker, Dizzy Gillespie e Marcel Proust, mas ama apenas a mãe. 

É com ela que ele viaja para cuidar de sua saúde. Clara, a mãe, é dona de um espírito livre e jovial, chamando a atenção de homens de diferentes idades. Laurent já a viu com um amante, no entanto, em vez de pressioná-la, a conforta, reforçando o fato de não se identificar muito com o pai. Os espaços abertos e a natureza servem de respiro para um jovem que está prestes a descarregar toda a sua tensão sexual. Na região, um grupo de adolescentes acolhe o protagonista, que, com seu charme e inteligência, conquista alguns corações. O belo plano em que o vemos de mãos dadas com Hèlene é sucedido por uma cena na qual seu desejo efervescente é evidenciado – uma fase em que os hormônios não permitem que as coisas aconteçam naturalmente. O quarto que divide com a mãe, marcado por um papel de parede florido que salienta o afeto que nutrem um pelo outro, é um ambiente de intimidades. O caso vai além do “Complexo de Édipo”; Laurent, amadurecido, não enxerga em Clara apenas uma mulher bonita ou sua mãe, mas uma mulher em conflito com sua própria existência. Como alguém que improvisa tanto no amor pode não gostar de Jazz, a arte do improviso? Amigos e confidentes, eles estabelecem uma relação bonita de se acompanhar, calcada no contato físico e na empatia constante. Sim, há uma cena polêmica, mas Malle a constrói com tanta inocência e ternura, que é impossível sentir qualquer tipo de desconforto. Se seus personagens não fossem tão reais e repletos de camadas, nada funcionaria. Por incrível que pareça, ele ainda consegue terminar o filme numa nota harmônica e leve, na qual a família, reunida, ri de uma “pequena conquista” de Laurent. 

Benoît Ferreux é um ímã de carisma. O jovem ator oferece uma performance que faz jus ao período em que o protagonista se encontra, combinando maturidade e ingenuidade; confusão e convicção; grosseria e gentileza; rebeldia e calma. Quando ele vai direto ao ponto, é difícil não gargalhar. Seus olhares, gestos e aproximações são muito expressivos, funcionando como palavras que não foram proferidas. A trilha sonora jazzística é uma homenagem aos passos de um apreciador do bom Jazz e, também, um elemento que confere agilidade à narrativa. 

“O Sopro no Coração” é um dos “coming of age” mais importantes da história da sétima arte.

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