Comédias românticas dependem de uma série de fatores para serem um sucesso, considerando que suas tramas dificilmente escaparão de clichês.
“Notting Hill” não é um clássico à toa, é um filme extremamente bem escrito, com uma direção surpreendentemente sofisticada e que conta com atores que, além de talentosos, apresentam uma química impressionante.
William Thacker vive em Londres, num pequeno bairro chamado Notting Hill, onde é dono de uma livraria especializada em guias turísticos e demonstra um carinho especial por cada estabelecimento que o circunda. Simples e gentil, ele divide o apartamento com um sujeito bizarro, foi abandonado pela esposa e vive um cotidiano pacato, porém estável.
Sua situação muda quando Anna Scott, uma atriz hollywoodiana, entra em sua loja e, em um ato impulsivo, o beija. Não é o tipo de coisa que acontece de forma recorrente e, assim que ele volta para casa, assiste a um filme dela com seu inquilino, imaginando algo a mais. Não podemos dizer que William é um sonhador maluco, a oportunidade bateu à sua porta e, ainda que tenha sumido, possivelmente voltaria.
Quando é convidado para ir ao seu hotel, em vez de um encontro romântico, ele se depara com uma coletiva de imprensa sobre o seu último projeto e precisa fingir que é um crítico, em uma das sequências mais engraçadas do filme.
William precisa ter consciência de que está entrando num território perigoso, no qual os cartazes e as luzes estão apontados para Anna e que, a qualquer instante, seja pela presença de um antigo namorado, seja pela pressão da mídia, ele poderá se ferir. O roteiro trabalha muito bem essas idas e vindas, tratando o romance com a maior “honestidade” possível, criando empecilhos críveis, que colocam um sujeito comum no meio de um universo artificial e vazio.
A grande qualidade de William é a sua força, a capacidade de seguir em frente e de não se rebaixar. Mesmo que sofra intensamente, o protagonista tenta manter o otimismo, faz um esforço para encontrar uma nova parceira e não se abala, pois, diferentemente da maioria, William sabe que o amor é belo até certo ponto.
Ele é de Notting Hill e ela de Beverly Hills. Esse contraste já é suficiente para manter o espectador interessado com o desenrolar da trama, que flui extraordinariamente bem. Romances improváveis chamam a atenção das pessoas, isso é um fato. Por que? Encontrar alguém já é difícil e o cinema, como uma arte de fácil identificação, proporciona ao espectador experiências que ele sonha em ter. Como uma estrela hollywoodiana vem a se interessar por um vendedor de guias turísticos? Presa a um mundo de imagens, propagandas, relacionamentos inventados por tabloides, fofocas e falta de privacidade, Anna deseja apenas algo simples, alguém que a ame genuinamente e que acorde ao seu lado satisfeito com a realidade, não decepcionado com o fim da ilusão. Os dois momentos em que ela “dispensa” William são duros pela forma inesperada com que as coisas acontecem, mas, principalmente, por percebermos que Anna não quer se sujar ainda mais nesse mundo artificial, que nega qualquer tipo de emoção genuína. William não liga se ela é uma atriz, se é famosa ou se é multimilionária, seu interesse é puro e tocante.
As sequências mais radiantes de Anna são justamente aquelas em que se afasta de seu meio, janta com a família e com os amigos do protagonista, caminha em um parque privado e passa um tempo em sua casa.
Beverly Hills e Notting Hill não combinam, no entanto, enquanto assistimos ao filme, temos plena convicção de que os dois se amam e desejam estar juntos. Por um lado, há um senso de urgência por uma relação profunda e verdadeira, do outro, um misto de sonho com decepções, que, ao invés de o afastarem dela, acabam o aproximando, como se o amor fosse uma droga altamente viciante.
Após uma gangorra de emoções, belos e tristes momentos, Anna parece disposta a seguir seu coração e deixar os holofotes um pouco de lado, entretanto, William, que, normalmente diria sim sem hesitação, pensa um pouco em si. Ele sofreu, tentou arranjar outra companheira e não conseguiu, porém tem noção de que pode ser abandonado por Anna a qualquer instante e não sabe se seu coração aguentará mais uma rejeição.
Esse desfecho seria crível, forte e corajoso, contudo, obviamente o roteiro dá um jeito de entregar ao espectador aquilo que ele deseja, tornando “Notting Hill” um filme puramente doce e agradável, o que não é uma crítica, somente uma constatação. Pensando bem, qualquer final diferente seria anticlimático e decepcionante. Não assistimos “Notting Hill” para aprender uma lição sobre a impossibilidade do relacionamento entre pessoas de status sociais distintos, queremos ver exatamente o impossível, aquilo que só o cinema e sua magia inconfundível proporcionam.
A montagem dita o ritmo da obra com muita fluidez, tratando os momentos nos quais Anna e William estão juntos com delicadeza e os demais como “descartáveis” e melancólicos. Os cortes precisos fazem os flashes das câmeras parecerem armas letais – uma clara denúncia a esse universo que não respeita a privacidade alheia e que vive da desgraça de “estrelas”. Em contrapartida, no desfecho, os mesmos flashes iluminam os rostos dos protagonistas, mostrando quão felizes e aliviados estão.
A trilha sonora é especialmente bela e doce, sendo um complemento perfeito ao tom e ao desenvolvimento da trama.
A direção de arte é discreta, no entanto, gostaria de destacar a bagunça no apartamento de William, que conversa diretamente com seu estado emocional antes e até mesmo depois de conhecer Anna.
O diretor Roger Michell, que eu não conhecia e que, aparentemente nunca mais realizou nada minimamente interessante, não se exibe, nem tenta realizar movimentos de câmera mirabolantes. Muito pelo contrário, seu objetivo é criar o máximo de sequências marcantes e encantadoras, alcançando esse nível com a ajuda do excelente roteiro de Richard Curtis, que transita perfeitamente entre a comédia, o romance e o drama.
É o tipo de filme que faz o espectador sorrir sem nem perceber, que não exige reflexões profundas. O esqueleto da obra é, invariavelmente, surpreendente, segue uma linha muito agradável e o seu grande mérito é dar espaço para os atores brilharem. No terceiro ato, o diretor utiliza uma travelling, revelando, gradativamente, a reação de cada personagem a uma declaração forte do protagonista – por sinal, todos os coadjuvantes são maravilhosos. Além de se encaixarem bem na trama, funcionam como alívios cômicos. Não poderia deixar de destacar o elegante e impressionante plano sequência realizado por Michell no período de maior depressão de William. O protagonista caminha pela feira e as estações do ano passam, dando a ideia de vazio, de tristeza, de falta de sentido para a própria existência. O diretor também merece elogios por criar pequenas histórias dentro desse longo plano.
Julia Roberts nunca esteve tão radiante. A atriz distingue com maestria a Anna que as pessoas querem ver da Anna de verdade, a que divide momentos simples e genuínos com William. Seu nervosismo ao perguntar se ele quer ir ao seu quarto é palpável. Sua declaração final é belíssima: “afinal, sou apenas uma garota parada na frente de um garoto, pedindo a ele que me ame”. Não existem Deuses/Deusas, no fundo, somos todos humanos.
Hugh Grant, por sua vez, usa todo o seu humor autodepreciativo e garante o posto de ator mais charmoso de sua geração. Sua interpretação passa por um estado de choque, por um amor inconcebível, pela dor e por um otimismo reconfortante. Grant é carismático e conquista o espectador de imediato.
“Notting Hill” merece a fama que tem, é um grande filme.
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