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“Nobody’s Fool” é o tipo de filme em que um homem soca um policial e você não se espanta. Há, também, uma partida de pôquer envolvendo uma perna prostética e nudez. O grande mérito de Robert Benton é capturar as nuances daquela pequena cidade, inserindo-as em seus personagens. É a cidade perfeita para seres que querem ser esquecidos ou que vivem num profundo estado de arrependimento. 

Sully sempre tem uma resposta pontiaguda para as mais diversas indagações. Ele abandonou Peter, seu filho, no início da paternidade e não faz questão de entrar em contato. Sully considera-se um fracasso e sente que não precisa ser relembrado do quão mau foi como pai. Na verdade, o protagonista nem chegou a ser pai. Talvez por reconhecer suas limitações. Talvez por temer ter herdado os genes podres do próprio pai, um alcoólatra abusivo. Em suma, por ter medo de assumir responsabilidades. Peter surge e, de imediato, fica nítido que Sully não fez parte de sua vida; afinal, eles são diferentes em jeito e até fisicamente – a impressão é de que Peter se inspirou no fracasso do protagonista para ser o melhor pai possível. 

Todos se conhecem na cidade e ninguém leva Sully a sério. Beryl, vivida por Jessica Tandy, sua locatária, é quem o trata com mais carinho, não se cansando de oferecer um chá que nunca é aceito. Carl é o patrão que Sully não gostaria de ter. Os dois estão em constante rota de colisão, disputando para ver quem fica com a máquina de neve. Toby, esposa de Carl, sabe da infidelidade do marido e, embora reconheça seus traços falhos, demonstra um certo encantamento pelo protagonista. Rub é dependente, quase infantil, e vê em Sully um amigo confiável, além de um ótimo colega de trabalho braçal. Wirf, o “perneta”, está na galeria de advogados mais incompetentes da história do cinema, porém, não deixa de ser uma figura simpática. Benton não pensa em heróis e vilões; seus personagens, como eu mencionei, fazem jus à pacatez da cidade, existindo num contexto muito específico. Os equívocos não são pensados para ferir alguém, apenas para preencher um vazio que eles não compreendem. 

Benton acerta ao apostar numa estrutura cotidiana e num tom leve, focando nas interações e nos personagens, fomentando a ideia de microcosmo. Nada acontece ali. Sabemos que não haverá alguma catarse ou algo que mude consideravelmente a realidade daquelas pessoas e, mesmo assim, Benton confecciona uma “pequena” revolução na vida de Sully. Após brigar com a esposa, Peter passa uns dias na cidade e acaba se aproximando do pai. A partir daí, percebemos que por trás da carcaça de carisma e cinismo, há um homem vulnerável, disposto, pela primeira vez, a fazer as coisas certas. Ao perceber que falhou com Will, seu neto, Sully se redime, deixando o orgulho de lado – são as pequenas mudanças de comportamento que compõem o seu arco. Quando retorna à casa da infância, onde viveu com o pai, Sully não consegue esconder as marcas do passado. A performance de Paul Newman é tão espetacular, que ligeiras mudanças em sua expressão ganham contornos grandiosos. Newman finca os pés na neve com essa persona irresistivelmente sacana e, ao tentar sair, revela a complexidade do protagonista. Ele não sabe porque abandonou Peter, mas tem certeza de que quer tentar ser mais do que apenas um sujeito instável – nunca é tarde para amadurecer e aprender a valorizar compromissos. Benton transforma aquela relação sem apelar para obviedades nem para o sentimentalismo. A sensação é a mesma do início, só que com o saboroso gosto de perceber que, em meio ao “nada”, Sully mudou sem perder sua essência. 

Os diálogos ganham em comicidade com o cinismo de Newman. Benton tem sacadas que conversam com a atmosfera local e respeitam as peculiaridades do protagonista. 

-Só você é idiota o bastante para acreditar em sorte.

-Eu acreditava em trabalho duro e inteligência até conhecer você.

O elenco de apoio conta com interpretações inspiradas de Bruce Willis, Melanie Griffith, Philip Seymour Hoffman e Dylan Walsh. “Nobody’s Fool” é bonito em sua simplicidade.

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