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Ao longo dos anos, Park Chan-wook demonstrou ser capaz de dirigir qualquer tipo de filme. Em mãos erradas, “No Other Choice” seria um desastre. A bela casa, os presentes caros e as folhas de primavera são símbolos da harmonia familiar, oriunda do sucesso profissional de Man-soo, um engenheiro da indústria do papel. Eis que, após uma renovação na empresa, ele é demitido.

Man-soo garante que conseguirá um novo emprego em pouco meses; no entanto, o tempo passa e nada muda. Em uma das entrevistas, uma luz intensa invade seu rosto, ressaltando a pressão que sente e a visceral competição imposta pelo mercado.

O protagonista, então, decide “criar” uma empresa falsa a fim de atrair seus rivais e eliminá-los. A crítica ao capitalismo não é algo novo, mas Chan-wook coloca suas digitais neste projeto, indo além do que é costumeiramente discutido. A concorrência molda o ser humano, que se vê obrigado a se adaptar – a paixão do protagonista pela natureza salienta seu caráter pacífico. Escanteado pelo sistema, Man-soo dá um jeito de superar as dificuldades; afinal, neste mundo, cada um luta com as armas que tem. Por que Man-soo não dá um passo para trás e cogita outras possibilidades, “menos excepcionais”? Para Chan-wook, o capitalismo induz o homem a acreditar ser aquilo que faz, não aquilo que é. Para todos os efeitos, Man-soo é um engenheiro tanto quanto é ele mesmo. Sua luta é pela manutenção de um status, não por sobrevivência ou dignidade. 

Ao entrar em contato com o luxo, o ser humano o assimila a uma realidade imutável, esquecendo-se do verdadeiro conceito de realidade. Chan-wook desconstrói a esperada tensão (estamos falando de assassinatos) com uma encenação cômica. É uma verdadeira aula de como subverter expectativas a partir da exploração absoluta da mise en scène. Na primeira tentativa de Man-soo, na qual ele se prepara para jogar um jarro na cabeça de um concorrente, o cineasta utiliza um contra-plongée. A minha reação instintiva foi de estranhamento. A câmera não “deveria” estar posicionada ali. Foi aí que o clique veio: a câmera está no lugar perfeito para provocar uma reação diferente da habitual. Chan-wook propõe um caos cômico sofisticado, que jamais escorre de suas mãos. As escolhas musicais, os zooms, a coreografia de uma luta específica, os elementos “surpresa” nos enquadramentos… tudo é costurado para desarmar o espectador e provocar risadas genuínas. 

Os tons majoritariamente quentes e os espaços dominados pela natureza colorida vão na contramão do que seria um thriller. As fusões e sobreposições de imagens são de uma elegância ímpar e a montagem também se mostra importante na construção de humor, como, por exemplo, quando vamos de um flashback romântico de um casal coadjuvante para o “nada romântico” presente, em que vemos um plano-detalhe do marido devorando uma coxa de galinha. As ligações em FaceTime são a marca registrada de Man-soo e Mi-ri, sua esposa. Sempre que ela liga, ele está um pouco “ocupado”. Quando Mi-ri finalmente descobre o que o protagonista vem tramando, Chan-wook muda a abordagem da ligação, colocando os dois lado a lado, em direções opostas. Há de se elogiar o paralelo estabelecido pela montagem enquanto os dois cavam diferentes buracos – ela está descobrindo; ele, escondendo. Falando no casal principal, a química entre Lee Byung-hun e Son Ye-jin é um dos principais fatores responsáveis pelo êxito do filme. Os momentos mais “prosaicos” nunca são enfadonhos, graças a essa intensa sinergia. 

O desfecho não poderia ser mais ácido e relevante. A inteligência artificial ganha espaço, acarretando uma massa de demissões. As máquinas também eliminaram a concorrência – sobraram somente os assassinos. Man-soo, antes o assassino trapalhão, assume uma frieza maior, ressaltada pela elaboração de seus novos planos. Assim como o protagonista, no fim, as árvores perdem as folhas e o clima pesa – é a “confirmação” da transformação. 

Repleto de sequências memoráveis, “No Other Choice” é mais uma obra prima na carreira do mestre Park Chan-wook.

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