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Os filmes de Ken Loach são pequenos milagres. Com seu estilo naturalista, ele capta as nuances do cotidiano de seres à margem da sociedade. Loach usa o cinema e seu alcance para dar voz aos operários britânicos, seguindo sua vocação sem abrir concessões.

Em “My Name Is Joe”, o protagonista, cujo nome está no título, é um alcoólatra que decidiu se dar uma segunda chance. Sóbrio, Joe vai às reuniões dos A.A. com a convicção de que dias melhores virão. Ali, não há pena ou tabu, apenas as sensações de segurança e pertencimento. 

Joe treina um time de futebol amador, composto por seres tão disfuncionais quanto ele. O esporte, além de escape da mediocridade diária, serve para fomentar laços familiares – no caso, os únicos da vida do protagonista. Um dos grandes méritos de Loach é não estabelecer um tom, investindo na imprevisibilidade do cotidiano. Há leveza, porque os dias estão cheios de boas surpresas e humor corriqueiro; e há dor e trauma, pois, para o cineasta inglês, isso é inevitável. Joe se afeiçoa por Sarah, uma assistente social. Loach usa o relacionamento para dar profundidade à situação do protagonista, sendo incisivo ao ressaltar que, por mais que ele batalhe, dificilmente terá uma vida “normal”. 

O sistema não demonstra interesse em recuperar os mais frágeis, atirando-os na sociedade sem maiores reparos. Joe, assim como seus colegas de time, não tem muitas opções. O que devia ser simples, como, por exemplo, sair com alguém, é digno de um esforço grandioso. Empregos não batem à porta e o instinto de sobrevivência fala mais alto. Quando Joe discorre sobre o momento em que percebeu que precisava de ajuda, somos levados ao passado, num flashback que se assemelha a uma nuvem nebulosa. Joe já teve ódio e nojo de si; no presente, ele almeja a beleza, mas precisa lidar com suas limitações. Loach evita o melodrama, investindo no nível certo de intimidade – até mesmo os imprevistos são orgânicos. 

Na ânsia pela plenitude e cansado da solidão, Joe atropela certas etapas. Talvez não; talvez Sarah tenha sido insensível e dura. Esse é o tipo de dilema que somente um seleto grupo de filmes alcança e, no fundo, pouco importa se alguém está certo. Assistir a essas dinâmicas é um convite a entrar em contato com o conceito de humanidade. Joe valoriza sua “família” e reconhece o buraco no qual ela se enfiou. Liam é um jovem que está em vias de abandonar o vício em drogas e que precisa cuidar do filho pequeno e de Sabine, a esposa, também adicta. O mundo de traficantes é movido por promessas e violência. Eles sabem que os viciados os procuram por desespero, sem a consciência de que terão que arcar com as consequências, demonstrando prazer em destruir lares caóticos. Como mencionei acima, a câmera de Loach registra o passeio do casal com a mesma intensidade de uma cena em que uma personagem se droga. As ruas da desesperança são as mesmas da leveza. Joe, a fim de aliviar o amigo, faz algumas “entregas ilegais”. Mesmo quando tudo parece se desenhar positivamente, haverá um grito de socorro e Joe não consegue ignorar os chamados de seus semelhantes. 

Sarah, com sua estabilidade garantida pelo emprego, não admite volatilidades. O protagonista, por outro lado, entende que o mundo nem sempre é certo e simpático. As diferenças sociais, embora singelas, definem a visão dos personagens sobre o meio que os cerca. Uma casa e um cheque no fim do mês reduzem os objetivos, demarcando os perímetros onde cada um pode se situar. A explosão de brutalidade de Joe é o sintoma de um homem que não suporta mais a desilusão e a sensação de que o mundo o despreza. Após o desfecho, não temos ideia do que acontecerá, mas temos certeza de que conhecemos aqueles personagens e que poderíamos acompanhá-los por mais horas. 

Peter Mullan, que venceu o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes, oferece uma performance monumental. Seu jeito brincalhão se confunde com os traumas do passado. Existe um aspecto destrutivo em sua alma, contornado por sua perseverança e carisma. No único momento de recaída, Mullan encarna outra figura, chegando a assustar pela autenticidade. “My Name Is Joe” é uma das principais obras primas na carreira de um cineasta que evitou caminhos óbvios.

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