As cortinas se abrem, o espetáculo está prestes a começar. “Moulin Rouge!” é um filme de uma rara ambição. Uma verdadeira explosão imagética, comandada por um diretor que tem a fama de ser egocêntrico.
O australiano Baz Luhrmann, responsável pelo fraquíssimo “Elvis”, estava com a bola toda em 2001 e, “por sorte”, todo o seu arsenal que mal deixa o espectador respirar, deu super certo, nesta que é a sua única obra prima.
Christian, um jovem poeta, parte para Paris em busca de inspiração e amor – segundo o próprio, o que nos move, nosso oxigênio. O protagonista se depara com artistas boêmios, os filhos da revolução, e acaba escrevendo a peça deles, que seria apresentada no famoso cabaré, o Moulin Rouge.
Chegando lá, somos bombardeados por imagens dissonantes, cores vibrantes e um ambiente cuja arquitetura impressiona pelo luxo e pela inventividade. Satine, a cortesã mais cobiçada de Paris, é a grande atração e logo chama a atenção de Christian, que se apaixona instantaneamente. Obviamente, a situação não é simples assim: o Duque, responsável pelos maiores investimentos no cabaré, estava interessado nela e só cobriria os custos da nova peça caso tivesse um contrato de exclusividade com a cortesã, praticamente a tornando uma escrava.
Existem alguns embates no filme. O primeiro é justamente entre o poeta delicado e romântico contra o magnata insensível e brutal. É interessante notar que, ainda que o Duque seja poderoso e consiga mandar e desmandar em todos naquele lugar, é justamente Christian quem toma as rédeas da situação, encanta a cortesã e elegantemente humilha seu “patrão”, criando um roteiro fictício baseado no triângulo amoroso.
Ou seja, um tem dinheiro e aliados, enquanto o outro é inteligente e generoso. Vale ressaltar que o Duque, além de desprezível, é um sujeito ingênuo, que beira o imbecil.
Satine foi obrigada a aceitar que nunca poderia ser amada, que era apenas uma cortesã e que o amor era sinônimo de dinheiro. Sua vida é uma enorme mentira e sua profissão passa por iludir homens ricos e vazios.
O antagonista representa exatamente o tipo de cliente que ela está acostumada a receber, com a diferença, claro, de que ele alavancaria sua carreira, tornando-a uma atriz de verdade.
Por outro lado, Christian não admite que um ser humano negue o sentimento mais importante e poderoso de todos, não engole as desculpas de Satine e não consegue imaginar ninguém sobrevivendo sem amor. O primeiro encontro entre os dois é engraçado graças às diferentes visões que têm sobre esse tema e pelo mal-entendido – a cortesã, a princípio, pensa que o protagonista é o Duque -, muito bem elaborado.
A entrega e a performance de Satine assustam Christian, que deseja apenas recitar um poema e percebe a farsa por trás das atitudes de sua amada. Eis que surgem duas sequências que não só mudam o rumo da história, mas elevam o patamar do filme. A versão de “Your Song”, cantada por Ewan McGregor – que considero melhor que a de Elton John – é belíssima e o universo idealizado pelo diretor, no qual os personagens caminham pelas nuvens e dançam, é espetacular e conversa diretamente com o romantismo de Christian. A outra, a que finalmente convence Satine a aceitar o amor do poeta, impressiona pela sincronia dos movimentos e pelo medley absolutamente impecável de canções contemporâneas, culminando em “I Will Always Love You”, momento em que Luhrmann gira sua câmera ao redor do casal, criando um efeito lindíssimo.
No entanto, é óbvio que, mesmo apaixonados e dispostos a largar tudo para ficarem juntos, as coisas não ocorrerão como o esperado, afinal, estamos falando de criaturas do submundo parisiense, que sabem de onde vieram e que obedecem ordens de seus “superiores”.
É importante salientar que Satine estava com tuberculose e não tinha muito tempo de vida.
No auge de seu ciúme, Christian escuta uma história de um de seus colegas, sobre uma prostituta argentina, o “Tango de Roxanne” – destaque para o violino. No momento mais poderoso do filme, Christian entra na canção e diz o que o aflige tanto. Em todas as sequências musicais, Luhrmann concebe uma organização impecável em termos de movimentos e alinhamento entre os dançarinos. A montagem opta por cortes abruptos e frenéticos em boa parte do filme e aqui não é diferente, contudo, o que realmente chama a atenção – e que é repetido no clímax – é a capacidade de mostrar eventos paralelos e criar rimas entre eles, o que é elegante e ajuda na progressão de uma narrativa tão dinâmica.
O final não é nada surpreendente, Christian, inclusive, informa no início que Satine morreu há um ano, entretanto, não poderia deixar de destacar a intensidade do desfecho e do choro do protagonista, que chega a soluçar.
Seres bizarros, um universo fantasioso, efeitos visuais eficientes, muitos cortes, cores fortes, efeitos sonoros cartunescos e cenários engenhosos. Esse é “Moulin Rouge!”, um espetáculo hiperativo, emocionante e, sem dúvida alguma, único.
Luhrmann gosta muito de chocar o espectador, de mostrar que faz coisas mirabolantes, que movimenta sua câmera como nenhum outro diretor, que é talentosíssimo e inegavelmente flerta com o brega. Se seu filme se limitasse a brincar com a velocidade dos planos – slow motion e time lapse – ou a picotar sequências sem um motivo aparente, eu com certeza não estaria o elogiando. Como mencionei, esses artifícios cabem perfeitamente dentro de uma narrativa que se propõe a fugir do realismo e abraçar o lúdico, e o fato de seu projeto ser um musical ajuda bastante nesse sentido. O amor é algo grandioso, esplendoroso, raro e especial, ainda mais considerando os personagens envolvidos na trama. Sua abordagem homenageia o gênero e esse sentimento, que realmente nos faz levitar e nos derruba com a mesma intensidade.
Percebam o cuidado da fotografia e da direção de arte ao tratarem o azul – melancolia, solidão, prisão – e o vermelho – paixão, desejo, carinho – como cores essenciais e contrastantes. Se no início temos uma invasão de luzes e cores, gradativamente, vemos a energia cair – sempre conversando com o arco dos personagens. Paris emula o comportamento dos amantes: brilha nos momentos mais bonitos e fica acinzentada, ganhando até tons de sépia quando a desesperança toma conta de seus corações.
Se o interior do cabaré é luxuoso e colorido, assim como o “elefante”, o camarim de Satine é decadente, marcado por paredes sujas, o que diz muito sobre sua personalidade e realidade. Os figurinos são um show à parte, poucas vezes vi roupas e adereços tão vistosos e apropriados em um filme.
Luhrmann não é somente um maluco, sua direção merece muitos elogios, justamente por algo que ele não é muito fã: sutileza.
O plano no qual vemos Christian e o Duque separados por uma pilastra, olhando para Satine, no centro do cabaré, basicamente resume a história.
Ele utiliza planos em sequência – cada vez mais fechados – quando Christian está com ciúmes e gera um efeito similar na cena em que o Duque descobre que a peça que está patrocinando é um reflexo da realidade, abusando de close ups e ângulos distintos que exploram a fúria do antagonista.
Os quadros que envolvem o protagonista e Satine são plasticamente fantásticos, ressaltando a impossibilidade daquele romance a partir da posição dos corpos na tela e da presença de barreiras físicas.
Nicole Kidman oferece a melhor performance de sua carreira. Ela é sexy, cética e sedutora e, lentamente, admite seu vazio, se entregando a algo que não esperava receber. Sua felicidade ao escutar as palavras de Christian é palpável e a diferença entre o seu olhar para o poeta e para o Duque é notável. Kidman ainda consegue passar uma enorme fragilidade, por estar bastante doente e por não conseguir se livrar de uma vida indesejada, de ilusões.
Ewan McGregor está no mesmo nível. O ator faz de Christian um jovem idealizador, romântico, sincero e sensível, que embarca na jornada que sempre sonhou, mas, que, infelizmente, termina de uma forma trágica. McGregor transita muito bem dentro do arco e usa todo o seu carisma para tornar o protagonista o sujeito mais querido e empático possível. Não poderia deixar de citar o seu enorme talento para cantar, sua voz é simplesmente hipnotizante.
As cortinas se fecham. E, sim, o espetáculo alucinógeno, romântico e melancólico de Luhrmann é realmente especial. Há quem não goste de “Moulin Rouge!”. A única coisa que posso dizer a essas pessoas é que elas estão erradas…
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