Insegurança, solidão e ansiedade marcam o início da jornada acadêmica de Tracy, que, aos 18 anos, se sente presa numa festa repleta de estranhos. Movida por circunstâncias específicas, a jovem decide ligar para Brooke, filha do seu futuro padrasto. Ela personifica Nova Iorque em sua agitação e demonstra ser uma mulher independente, audaciosa e divertida. Brooke é impulsiva a ponto de falar, repentinamente, que viu sua mãe morrer e é, de certa forma, a força interior que Tracy precisa para crescer e abraçar as oportunidades que batem à sua porta.
Brooke tem um quê de empreendedora, dá aulas de spinning, é tutora, sonha em abrir um restaurante aconchegante e é ativa nas redes sociais. Ela é uma metralhadora de carisma e boas vibrações, inspirando a protagonista a escrever um texto com chances de ser aceito num competitivo clube literário da universidade. Tracy adota traços da nova amiga, ao mesmo tempo em que assume uma posição no espaço que antes a intimidava. Brooke, de fato, é isso tudo e mais um pouco, todavia, para alguém que chegou aos 30 anos, ela transmite uma enorme dificuldade de admitir que é adulta e que precisa assumir responsabilidades pouco estimulantes.
Brooke é cool em seu estilo, mas não conquistou nada; é o tipo de pessoa cujas qualidades podem ser interpretadas como defeitos – o roteiro desenha uma complexidade atual e relacionável. Seu espírito jovial é um sintoma da falta de compromisso com a fase na qual se encontra, o que é enfatizado pelo jeito com que se expressa e, principalmente, por nunca ter feito uma faculdade. Ela é igualmente inspiradora e vazia; corajosa e boba. Observá-la é uma forma interessante de chegar ao autoconhecimento; de assimilar e rejeitar ideias. Tracy é uma adolescente atenta às nuances e descreve a amiga sem concessões, expondo suas façanhas e seus fracassos. Quando descobre que seu namorado grego a largou e abandonou o projeto do restaurante, Brooke é obrigada a recorrer a Mamie-Claire, sua antiga melhor amiga que se tornou inimiga por ter roubado uma ideia sua e seu noivo milionário. “Aposto que Dylan ainda é apaixonado por mim. Casar-se com Mamie-Claire é como comprar um casaco de cashmere na Old Navy”.
Tony, colega de Tracy na universidade, o único com um carro, e sua namorada insuportável as acompanham nesta viagem de alto risco. Chegando em Greenwich, notamos que a tal inimiga se situa no extremo oposto de Brooke, com sua casa luxuosa e seu grupo de amigas que debate sobre Faulkner. Existe um meio termo e esse desejo de se mostrar superior e madura soa um tanto ridículo. Noah Baumbach, que, através dos diálogos afiados e da montagem dinâmica, já demonstrava um domínio absoluto sobre o tom da obra, atinge um nível raríssimo de perfeição cômica nessa longa e conturbada sequência. A situação ganha contornos cada vez mais absurdos, remetendo às velhas “Screwball Comedies” – um feito a ser aplaudido de pé. Muitas coisas acontecem ao mesmo tempo; muitos personagens que não se conhecem interagem intimamente; risos e tensão se confundem com intrigas e drama. A cena da leitura coletiva (sem maiores detalhes) é de um brilhantismo impressionante.
Brooke é uma companhia fascinante; por outro lado, são justamente as suas “qualidades” que a impedem de progredir enquanto adulta e dar continuidade a algum projeto sério. Ela acredita que não precisa de terapia, pois se conhece inteiramente. A única pessoa que talvez conheça Brooke é Tracy. A relação entre as duas evolui de “quase irmãs” a um soco necessário para o despertar de ambas. Ao entrar em contato com aquela que surgiu como sua luz inspiradora, a protagonista pôde enxergar os meandros do amadurecimento feminino; o labirinto, seus atalhos enganosos e a saída. Tracy não é mais a jovem insegura e perdida do início. Brooke, por sua vez, percebe que precisa deixar a cidade que ama para sair da eterna zona de conforto. “Nova Iorque não é mais a mesma” – ela também não. O filme termina com uma bela frase sobre Brooke, narrada por Tracy, referindo-se a si mesma. “Ser uma luz de esperança para as pessoas inferiores é um trabalho solitário”.
Noah Baumbach é uma espécie de Woody Allen moderno. Ele retrata Nova Iorque como um centro cosmopolita, charmoso e repleto de energia. O cineasta nos leva a um passeio pela vida noturna em Manhattan, tornando-o ainda mais irresistível a partir das escolhas musicais e da fotografia naturalmente atraente. Baumbach também tem uma musa: Greta Gerwig, sua esposa. Dona de um vigor incomparável, ela carrega a obra nas costas, alcançando a proeza de ser hiperativa sem incomodar ou cair na caricatura.
“Mistress America” conversa diretamente com “Frances Ha” e é um dos grandes trabalhos de um diretor interessantíssimo.