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Em “Mia madre”, Nanni Moretti explora a dor e a crise existencial daquela que percebe que, ao longo de sua vida, pouco observou; daquela que sempre teve tudo sob controle.

Margherita é uma diretora conceituada. Seu novo filme, assim como a maioria de seus projetos, gira em torno da luta de classes, dando voz ao proletariado. Ao mesmo tempo, sua mãe, com problemas no pulmão e no coração, está cada vez mais próxima da morte. Os diretores de cinema são, por natureza, seres narcisistas. Moretti propõe uma descida do pedestal, obrigando a protagonista a reavaliar sua vida, percebendo, no processo, que pouco sabe e que não tem controle sobre praticamente nada. Margherita é incapaz de controlar seu relacionamento amoroso e de se aproximar da filha, que vive com o pai, pois continua investindo na relação consigo. “Não sei como ajudá-la, nem distraí-la”. Para Margherita, tal constatação tem o efeito de uma facada no peito. Sentir-se impotente é a porta de entrada para sentimentos jamais explorados. Seu trabalho, uma representação de valores ideológicos, perde parte do sentido, servindo de terapia para constatar o vazio que assola sua alma. Na coletiva de imprensa, as vozes ecoam no “nada”, refletindo a sensação da protagonista.

Nem no set, o lugar de controle absoluto, Margherita consegue liderar. Barry Huggins, um ator hollywoodiano de origem italiana, transforma as gravações num verdadeiro caos. Interpretado pelo excepcional John Turturro, Barry é o astro que se considera maior que a produção na qual está inserido; é o tipo de artista que se vangloria por conhecer gênios com quem nunca trabalhou e que se sente no direito de diminuir todos ao seu redor. Turturro, hábil como poucos, foge da caricatura, conferindo uma humanidade inesperada a Barry, que nota quando foi longe demais ou quando a protagonista necessita de carinho. Barry é, também, o grande escape cômico do filme. As cenas em que ele se embaralha com a língua italiana são engraçadíssimas e reforçam o tamanho de seu orgulho – o carisma de Turturro é algo a se contemplar. 

“São só três passos, mãe. Não é possível!”, grita Margherita, no auge de sua vulnerabilidade velada. Desabituada a expor fragilidades, Margherita desaba sobre os erros e os descasos do passado, o que é ressaltado por sua constante presença em ambientes escuros e pela montagem, que confunde pesadelos e flashbacks. Ela não aceita a morte da mãe, porque ainda não disse tudo o que queria. A cada nova interação, a distância se torna maior, deixando-a, simultaneamente, desesperada e convicta de que muitas coisas precisam mudar. Margherita precisa perder o controle de si; precisa abandonar o set e entrar em sintonia com as pessoas ao seu redor. Sem autoconhecimento, a arte é insuficiente; sem conexões, a arte é um esconderijo danoso. Há dores que vêm para o bem. Aceitar o fim é um sinal de maturidade. Claro que a mãe não pode passar seus últimos dias no hospital. O retorno ao conforto e às memórias da casa são um consolo; uma despedida à altura da mulher que está partindo. A cena em que ela ajuda a neta com o dever de latim é uma das mais belas do filme. Margherita as observa atentamente, como se, pela primeira vez, estivesse em contato com a vida. 

Giovanni, irmão da protagonista, é a cola emocional que evita que Margherita naufrague. Giovanni está sempre no hospital; sempre com um semblante terno e sereno. Moretti o interpreta com a humanidade que lhe é peculiar. Como diretor, ele não chama a atenção para si, fixando a câmera em Margherita, explorando suas expressões e reações. A partir da fala de alunos de sua mãe, a protagonista descobre um otimismo resguardado em si. O passeio pelas trevas internas pode ser proveitoso. “Mia madre” é um dos grandes projetos da carreira de Nanni Moretti.

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