“Maps To The Stars” é um filme sobre personagens que precisam manter uma certa imagem. O que Cronenberg faz, é puxar o tapete e expor toda a sujeira. Amamos a arte, mas esse universo vai muito além disso e aparentemente ninguém se salva.
Hollywood é o palco desse desfile podre orquestrado pelo mestre canadense. O roteiro, de Bruce Wagner, apresenta seis personagens. Alguns são mais interessantes, mas todos tem sua relevância e o espaço necessário.
Havana Seagrand é uma atriz em plena decadência. Ela faz questão de exibir sua mansão, deixa seus prêmios à vista, fala de carros luxuosos, mas quando se vê sozinha ou com alguém de confiança, demonstra ser uma mulher extremamente insegura em relação ao próprio talento, à beleza e à idade. Havana bajula os mais influentes e se oferece aos produtores, não existem limites para se chegar ao tão almejado objetivo. O que temos aqui é uma mulher, cujas boas intenções nunca são honestas e tem o intuito apenas de manter uma aparência. Hollywood é cercada pelo glamour, desfiles de gala, personalidades exuberantes e Cronenberg acerta em cheio quando mostra a real face daquele universo.
Diante de tantas cenas impactantes e explícitas, eu diria que aquela em que a personagem realiza as suas necessidades de porta aberta e ainda peida, é a alma desse filme. Havana sonha em realizar o papel que um dia foi de sua mãe. Há uma outra atriz na dianteira e isso a irrita profundamente. Eu gosto como a montagem intercala cenas em que a personagem está furiosa, humilha sua “rival” e logo depois a encontra e age da forma mais carinhosa possível. A atuação está no dia a dia, o cotidiano pede isso. A reação dela ao saber que ganhou o papel, é sem dúvida uma das mais repugnantes e genuínas que já vi. Cronenberg brinca com a reação do público, que ri do absurdo.
Agatha Weiss é uma forasteira, uma jovem meiga, que se depara com um vazio gigantesco. Ela já foi diagnosticada com esquizofrenia e é de longe a personagem mais “normal” do filme. Suas queimaduras impressionam, porém o que mais chama atenção nela é o brilho no olho e a vontade de se encontrar. Agatha vira a assistente pessoal de Havana, se depara com um possível interesse romântico e tenta reencontrar sua família. As coisas parecem andar, mas não vão a lugar nenhum e acabam se tornando insuportáveis. Mia Wasikowska é uma atriz cheia de doçura e surge aqui dessa forma. Sua transformação é especial, as situações palpáveis e importantes, de repente se resumem a um vazio desesperador e não há outra saída sem ser aquela. Mia é contida por boa parte do filme, a fúria está em seu olhar, aquela ingenuidade do início se perde em uma selva, que drena o ser humano.
Seu irmão, Benjie, é ao mesmo tempo uma vítima e um canalha. Um jovem, que aos treze anos já foi internado pelo uso excessivo de drogas e acumula uma fortuna, que a maioria das pessoas nunca chegará perto. Em nenhum momento, o personagem demonstra felicidade ao ver aqueles contratos. Hollywood não forma seus garotos e os “transforma” em adultos precocemente. O resultado é um círculo movido por seres desprezíveis, superficiais, arrogantes e egocêntricos. Benjie trata os outros da pior maneira possível e a culpa não é inteiramente sua. Ele tem uma grande fortuna, mas nessa idade isso não importa. A verdade é que sua vida se resume a um imenso vazio, que dificilmente será preenchido.
Seu pai, Stafford, é uma espécie de guru e terapeuta, que julga ser um homem controlado, mas tirando os comerciais, o que vemos é exatamente o oposto. No passado, Agatha foi prejudicial à Benjie de algum modo. Ele não a quer por perto e sempre que a vê, age de forma descontrolada. John Cusack tem dificuldade em encontrar um tom ideal, porém seus surtos são efetivos e surpreendentes.
Fechando a família Weiss, temos Cristina, interpretada por Olivia Williams, que pouco aparece, mas convence plenamente como uma mulher que adoraria perdoar sua filha, sabe que exige demais de seu filho e não ama o marido. Cristina é uma personagem trágica e seu final é perturbador.
Ainda temos Jerome, um motorista de limusines e ator amador, que está acostumado a lidar com celebridades, porém claramente não fica à vontade naquele ambiente. Robert Pattinson o vive com muito controle, Jerome parece ter algo a dizer, algo que o incomoda profundamente, mas não consegue expor. É nítido também que Hollywood o transformou, afinal de contas, a cada papel recusado, a condição de motorista parecia permanente.
O roteiro é efetivo no desenvolvimento dos personagens, todos ali foram afetados de alguma forma pelo ambiente. Hollywood é um lugar apodrecido, que obriga as pessoas a vestirem máscaras e retira boa parte da empatia. Os diálogos são excelentes, a ofensividade e o egocentrismo às vezes estão disfarçados, mas nunca deixam de estar presentes. As atuações são extremamente sólidas; Julianne Moore é de longe a que tem mais espaço e desenvolve a caracterização mais interessante.
Eventualmente, o filme fica maçante, toda aquela parte envolvendo os pesadelos é desnecessária, os traumas não são bem desenvolvidos, logo o medo não é palpável e isso é culpa do roteiro.
Por outro lado, o tom cômico, meio sombrio e absurdo é delicioso, e casa muito bem com a proposta.
As locações também desempenham um papel importante na narrativa, conseguindo expor o vazio daqueles personagens, através do luxo que eles adoram exibir.
Essa não é uma das direções mais espetaculares da carreira de David Cronenberg, mas há sem dúvida alguma grandes momentos. Por exemplo, aquele, em que Havana e Jerome transam dentro da limusine. A cena inicia com um jogo de sedução, vira um sexo brutal e de repente a câmera sai de dentro do carro, vai para a perspectiva de quem está vendo aquilo de fora, e é horrível. Uma cena que sintetiza a obra de Cronenberg: a desglamourização absoluta de um meio que vive de seu glamour.
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